Mini-rins humanos foram criados em laboratório
Embora as estruturas estejam longe de replicar a forma e a função total deste órgão, já podem servir para o teste de fármacos.
As pessoas que, devido a alguma doença, ficam sem rins, têm de filtrar o sangue artificialmente por hemodiálise quando não há oportunidade de um transplante. Agora, uma equipa de investigadores conseguiu produzir mini-rins a partir de células humanas capazes de dar origem aos diversos tecidos do organismo, mostra um artigo publicado na edição desta quinta-feira da revista Nature. Este é um passo em direcção à produção de rins no laboratório.
“O rim humano contém até dois milhões de nefrónios responsáveis pela filtração do sangue”, lê-se no resumo do artigo, assinado por Melissa H. Little, do Instituto de Investigação Murdoch para Crianças, em Melbourne, na Austrália, e outros investigadores, entre os quais a cientista portuguesa Susana Lopes, do Centro Médico Universitário de Leiden, na Alemanha. Os nefrónios são estruturas complexas, que estão em contacto com os vasos sanguíneos para filtrarem o sangue. O líquido que resulta daí é recolhido pelos ductos colectores.
Estas duas estruturas começam a formar-se às cinco semanas no desenvolvimento embrionário humano, mas provêm de células que são um pouco diferentes. Através de uma sequência de estímulos químicos, estas células desenvolvem-se em nefrónios e ductos colectores.
Em laboratório, a equipa de investigadores conseguiu fazer algo até agora inédito. Os cientistas usaram células estaminais pluripotentes humanas, que são pouco diferenciadas e, com os estímulos bioquímicos correctos, podem dar origem a todos os tipos de células. A equipa descobriu exactamente a concentração de uma molécula e o tempo necessário de exposição das células estaminais pluripotentes humanas a essa molécula para diferenciá-las nos dois tipos diferentes de células que originam depois os nefrónios e os ductos colectores.
De seguida, os investigadores misturaram estes dois tipos de células num agregado tridimensional e aplicaram um segundo estímulo bioquímico. Com isso, as células formaram as estruturas tal como elas existem nos rins. “Cada organóide de rim chegou a um tamanho substancial, com mais de 500 nefrónios por organóide”, lê-se no artigo.
Longo caminho para fabricar órgão transplantável
“É vital sublinhar que o resultado deste processo não é um rim, mas um organóide. A estrutura da organização do tecido é realista, mas não adopta a organização macroscópica de um rim”, explica Jamie Davies, investigador da Universidade de Edimburgo, num comentário também da Nature. “Há um longo caminho a percorrer até que se consiga fabricar rins transplantáveis, mas este protocolo é um passo valioso na direcção certa.”
Melissa Little também coloca no futuro as consequências desta descoberta. “Criar um modelo de rim que contém muitos tipos de células diferentes abre a porta para a terapia celular e até para a bioengenharia de rins de substituição. Um dia, isto pode traduzir-se em novos tratamentos para doentes com insuficiência renal”, explicou a cientista, num comunicado do Instituto de Investigação Murdoch para Crianças.
Uma das vantagens do novo método é permitir a medicina personalizada. Os investigadores podem criar mini-rins a partir de células da pele ou do sangue de qualquer pessoa. É possível induzir estas células a tornarem-se cada vez menos diferenciadas, produzindo assim as células estaminais pluripotentes induzidas. Depois, com o novo método, estas células estaminais poderão produzir os mini-rins.
“A possibilidade de produzir células estaminais de doentes com doenças renais, e depois fazer crescer mini-rins, vai ajudar-nos a compreender a doença e desenvolver um tratamento”, defende a investigadora.
Para Jamie Davies, há ainda uma utilidade imediata. Os mini-rins poderão ser usados para testar fármacos. Sendo formados por células humanas, estes organóides são melhores a prever os efeitos dos fármacos na função renal do que os modelos animais.
“Os autores deram provas preliminares que demonstram que o sistema [dos organóides] é, de facto, danificado por uma toxina renal conhecida”, refere Jamie Davies. O investigador sugere um estudo mais alargado para testar se estes organóides podem funcionar como modelos de teste de fármacos. “O resultado pode ser um grande passo para a substituição dos animais [nos testes toxicológicos] e o melhoramento de ensaios seguros de fármacos, assim como para o transplante de rins.”