Rebeldes no Iémen comprometem-se com acordo de paz das Nações Unidas
Huthis e forças leais ao Presidente deposto em 2012 aceitam o regresso do Governo internacionalmente reconhecido. Negociações de paz podem agora avançar, mas o seu destino é ainda incerto.
A BBC fala de uma carta enviada pela liderança huthi às Nações Unidas. Nela, os rebeldes dizem que, ao aceitarem os sete pontos do plano de paz, dão um “passo importante e fundamental” no caminho do processo político. Afirmam também que, para além deles, há do seu lado “outros grupos” que se comprometem com o programa. Já a Reuters avança que o partido do ex-Presidente Saleh prometeu nesta quarta-feira fazer o mesmo.
Esta é uma exigência crucial do Governo iemenita internacionalmente reconhecido e da coligação militar liderada pela Arábia Saudita que o apoia nos ares e no terreno. Só se os rebeldes huthis e suas forças aliadas aceitassem o programa das Nações Unidas é que estes aceitariam sentar-se à mesa das negociações. Em Setembro, os rebeldes comprometeram-se verbalmente a fazê-lo, passados meses de resistência e de grande parte do Oeste do país conquistado.
Huthis e lealistas de Saleh estão agora pressionados no terreno por tropas da coligação, que entraram no país em Agosto e mudaram o rumo da guerra civil. Perderam Aden, a segunda cidade do país e um importante posto portuário, no Sul, e estão ameaçados no seu bastião, Sanaa. O Presidente no exílio, Abd-Rabbu Mansour Hadi, regressou por alguns dias à cidade portuária, no final de Setembro. Designou-a temporariamente a capital do país antes de regressar a Riad. É a partir do Sul que o seu primeiro-ministro governa.
A confirmar-se, este é o passo mais significativo dos rebeldes no sentido de uma solução negociada para o fim da guerra. O desafio será agora implementar o plano de paz da ONU, que exige que os grupos armados se retirem de algumas cidades e que os membros do Governo internacionalmente reconhecido regressem. Mas não se sabe ainda qual o volume real da retirada rebelde, nem quais as suas exigências de autonomia do Norte, onde têm o apoio das tribos.
“Mas se, no mínimo dos mínimos, se atingir um cessar-fogo, será um grande passo para os iemenitas”, escreve a correspondente-chefe da BBC, Lyse Doucet. A grande vitória do acordo desta quarta-feira pode ser, por enquanto, uma solução para a catástrofe humanitária que se vive no Iémen, que antes de o conflito ter começado, em Março, era já o país mais pobre da península Árabe.
Oitenta por cento dos mais de 24 milhões de habitantes do Iémen precisam de algum tipo de apoio humanitário, segundo a ONU. Há 13 milhões de pessoas com insuficiência alimentar e 1,4 milhões de deslocados internos. Morreram cerca de 4900 pessoas desde Março, entre elas mais de 2300 civis, sobretudo em bombardeamentos da coligação saudita. Os hospitais nos territórios controlados pelos rebeldes não têm material médico e em alguns casos não têm sequer electricidade.
A isto somam-se as vitórias da Al-Qaeda no Leste do país. O braço do grupo extremista no Iémen, um dos seus mais activos e violentos, tem aproveitado a guerra civil para se apoderar de novos territórios. Não são os únicos jihadistas em crescimento. Também o autoproclamado Estado Islâmico encontrou um clima fortuito no Iémen para conduzir ataques contra a população xiita e, ao longo dos últimos meses, matou dezenas de pessoas em ataques a mesquitas na capital Sanaa.
Na terça-feira, o autoproclamado Estado Islâmico atacou pela primeira vez o Governo de Mansour Hadi. Dois bombistas suicidas mataram 22 soldados dos Emirados Árabes Unidos e do Governo iemenita na cidade do Sul. O ataque atingiu o hotel em que está sediado o Governo e membros da coligação militar, embora o primeiro-ministro – também vice-presidente – Khaled Bahah e os restantes membros do executivo tenham escapado ilesos.
A Arábia Saudita e aliados regionais encaram a guerra civil no Iémen como um conflito de proximidade com o Irão. Os huthis, o grande grupo armado de confissão xiita, recebem algum apoio de Teerão, embora sejam em larga medida independentes do seu controlo. Aliaram-se no terreno às forças leais ao ex-Presidente Saleh, do mesmo ramo do Irão, que governou o país durante 33 anos e foi deposto por uma revolta popular em 2012.
Conquistaram o Noroeste e litoral ocidental do país em poucas semanas, incluindo a capital, e forçaram o exílio do Governo – o Presidente Hadi continua em Riad. O seu avanço foi travado ainda em Março por caças da coligação saudita, a quem a Amnistia Internacional acusou nesta quarta-feira de crimes de guerra por bombardeamentos indiscriminados contra a população civil.