O voto inútil

Um em cada quatro portugueses que votaram PSD ou CDS em 2011 fugiu agora do voto à direita.

Se olharmos para estas perdas, a leitura é evidente, independentemente dos gostos políticos. Há menos pessoas hoje a querer um governo da direita do que havia em 2011. Um número muito elevado de portugueses que votaram PSD ou CDS em 2011 (um em cada quatro), fugiu agora do voto à direita, o que significa uma condenação da governação do PSD-CDS e uma condenação das políticas de austeridade. A base de apoio da direita encolheu.

O PS perdeu as eleições. Perdeu porque não ultrapassou o PaF. Perdeu porque fez um programa de direita light, sem alma, sem convicção, sem visão e sem coragem. Perdeu, mas ganhou. Ganhou mais de quatro pontos percentuais. Ganhou mais de 180.000 votantes. Ganhou 13 ou 14 deputados. A base de apoio do PS cresceu. Quanto a António Costa, perdeu sem ganhar nada. Perdeu porque não conseguiu melhor, em termos numéricos, que a vitória poucochinha de António José Seguro nas europeias - que, foi, apesar de tudo, uma vitória.

Mas é claro que estes números não dizem tudo por si só. A coligação PSD-CDS ganhou porque continua a ser a formação partidária com mais votos. O PS perdeu porque não conseguiu ultrapassar o PaF e perdeu porque nem sequer captou todos os votantes que abandonaram o PSD-CDS. Ou, se os captou pela direita, perdeu a maioria deles pela esquerda.

O Bloco de Esquerda ganhou. Foi o único que ganhou mesmo. Quase duplicou a sua votação em número de votos (288.206 para 549.153) e em percentagem (5,19% para 10,22%) e obteve um recorde em número de deputados: 19 em vez dos 8 que tinha e mais que os 16 que eram a sua marca máxima.

A CDU também ganhou. Ganhou porque aumentou a sua percentagem de votantes (7,94% para 8,27%). Ganhou porque conquistou 3.400 novos votantes. Ganhou mas perdeu. Perdeu porque foi ultrapassado pelo BE. Perdeu porque, dos mais de 260.000 votantes que se deslocaram nesta eleição para a esquerda do espectro parlamentar, apenas captou aqueles escassos 3.400.

O CDS ganhou. Ganhou porque faz parte do PaF, que ganhou. Mas como o PaF nem sequer conseguiu o mesmo número de votos que o PSD sozinho nas últimas eleições (teve menos uns 167.000), fica a suspeita de que o CDS possa ter perdido. Talvez tenha até desaparecido.

O PAN ganhou porque elegeu um deputado. O Livre/Tempo de Avançar perdeu porque não elegeu nenhum.

A direita ganhou porque o partido/coligação mais votado é de direita e porque vai formar governo. Mas perdeu porque os cidadãos deram à esquerda quase o dobro de votos que deram à direita e porque o governo de direita viverá numa instabilidade constante devido à falta de apoio parlamentar.

A esquerda ganhou porque teve quase duas vezes mais votos que a direita. Mas perdeu porque não se consegue entender para formar governo, nem sequer para concretizar uma actividade legislativa consequente.

A direita ganhou porque a esquerda não a irá derrubar com medo de que o PSD e o CDS se vitimizem e consigam uma maioria absoluta em eleições antecipadas. A esquerda ganhou porque vai ter o governo a comer da sua mão no Parlamento.

Quanto aos partidos, é isto.

Quanto aos cidadãos, é diferente. Os cidadãos votaram maioritariamente contra a política de austeridade mas vão continuar a ter um governo neoliberal austeritário. Perderam. O seu voto foi inútil.

Os cidadãos votaram maioritariamente à esquerda, mas não vão ter um governo de esquerda porque as organizações de esquerda não conseguem construir uma plataforma comum elementar que reúna o PS com os partidos à sua esquerda. Perderam. O seu voto foi inútil.

Os cidadãos que votaram no PS, por convicção ou “voto útil”, todos decididos a impedir a vitória da direita, vão ver o PS a viabilizar, “violentamente” ou não, o governo PSD-CDS. António Costa fez, na própria noite das eleições, a lista das suas moderadas exigências para deixar passar o governo de direita e Fernando Medina repetiu o discurso ontem nas comemorações do 5 de Outubro. Costa não vai fazer coligações negativas que tragam instabilidade. Os votantes no PS perderam. O seu voto foi inútil.

Como foi inútil o voto dos 43% que se abstiveram e a quem se pode aplicar a citação de Einstein sobre os militares: por que razão têm estas pessoas um cérebro, quando uma simples medula espinal seria suficiente para as suas necessidades?

A principal conclusão destas eleições é esta: não há voto mais inútil do que o “voto útil” porque ele irá trair a vontade dos eleitores na primeira oportunidade.

Os portugueses vão continuar a empobrecer, com a excepção dos cinco por cento de cima. O nosso património colectivo vai continuar a ser dilapidado e oferecido a baixo preço aos amigos dos cinco por cento. Os serviços públicos vão continuar a degradar-se e a ser privatizados. Passos e Portas vão continuar a dobrar a espinha perante os diktats estrangeiros.

jvmalheiros@gmail.com

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