A abstenção ganhou as eleições com 43,07% dos votos. Podem dizer que isto é um fenómeno do individualismo próprio das sociedades pós-modernistas. Mas estas nossas sociedades são idealmente democráticas, pois nelas a liberdade para se atingir a felicidade individual é um dos principais valores. Esse individualismo não impede o sucesso de projectos colectivos, muito pelo contrário, até potencia alguns em particular. Mas para que esses projectos sejam bem-sucedidos as pessoas têm de acreditar genuinamente neles, assumi-los como mais-valias. Qualquer esforço colectivo só acontece se existir motivação individual.
A abstenção cresce em muitos outros países democráticos. Apesar disso Portugal não vive uma situação de normalidade. Emigração jovem em massa, natalidade mínima, fraca produtividade, desorganização administrativa, burocracia pesada, Estado Social em desmantelamento, baixos salários e desemprego altíssimo são coisas que conhecemos bem. Assim seria de esperar mais participação política dos cidadãos? Sim e não.
A abstenção pode ser interpretada como uma desistência ou desinteresse. Mas na realidade é improvável ter desinteresse pela própria vida e muito menos desistir dela. Os índices de suicídio e depressão não se aproximam minimamente das taxas de abstenção. Há forças de contestação e oposição reais. Esta nossa abstenção é claramente um acto de protesto, típico das já citadas sociedades pós-modernas em que os indivíduos se mobilizam por projectos colectivos, neste caso políticos, quando se sentem confortáveis com isso e os considerem benéficos.
Podemos concluir que a campanha foi má. Que os partidos não souberam adaptar-se aos tempos. Não conseguiram chegar aos eleitores com a mensagem que lhes interessava ouvir: como garantir a felicidade individual de cada pessoa. Hoje ninguém está para perder cinco minutos com algo que não valorize. Para 43,07% dos portugueses não valeu a pena votar ou não o fizeram porque isso significava também protesto.
Parece-me óbvio que o sistema eleitoral tem de mudar e o modo como se fazem as campanhas enquanto ainda há tempo. Mas os partidos são feitos também por outros indivíduos pós-modernistas que procuram a sua felicidade individual, fazendo campanha como acham bem e os torna felizes. Quando conseguiremos compatibilizar as duas visões?