Na Guiné-Bissau a crise política prolonga-se e os sinais de tensão regressam

Primeiro-ministro entregou ao Presidente da República a sua lista de ministros na sexta-feira. Há divergências de entendimento sobre competências dos titulares de órgãos de soberania.

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José Mário Vaz, no dia em que foi eleito, em 2014 Joe Penney/Reuters

Carlos Correia entregou a sua proposta de Governo ao Presidente da República, José Mário Vaz, na sexta-feira. Até ao final da tarde desta segunda-feira não havia indicações sobre a data da posse. Mais do que isso: declarações do primeiro-ministro nomeado motivaram uma reacção do chefe de Estado e deixaram claro que têm interpretações divergentes sobre as competências dos órgãos de soberania no regime semipresidencialista do país africano.  

À saída da reunião de sexta, o chefe do Governo disse que a data da posse passava a depender de Vaz, que lhe afirmara ir analisar os nomes e depois decidir. Carlos Coreia afirmou então que gostaria de “fechar a discussão” no próprio dia e, segundo os jornalistas presentes, acrescentou ter deixado um alerta ao Presidente: a competência para propor nomes para o executivo é do primeiro-ministro.

José Mário Vaz não gostou. Num comunicado divulgado horas depois, lamentou as palavras, “numa altura em que se apela ao esforço de descrispação do relacionamento institucional”. E expressou o entendimento de que “a Constituição confere ao Presidente da República a competência exclusiva de criar e extinguir ministérios e secretarias de Estado, bem como de nomear e exonerar os membros do Governo”.

O Presidente afirmou igualmente que lhe cabe “analisar criteriosamente” a equipa de Governo proposta e que é da sua exclusiva responsabilidade “a nomeação de qualquer um dos nomes sugeridos”.

Os dois políticos voltaram a encontrar-se esta segunda-feira e – segundo a RDP África – analisaram a estrutura do executivo e os nomes propostos. Foi depois disso que Carlos Correia disse que a posse ocorrerá em breve. Será o que provavelmente vai acontecer. Mas as trocas de palavras do final da semana passada confirmam que não desapareceram as diferenças de interpretação sobre os poderes dos órgãos de soberania, nem as desavenças que levaram ao afastamento do anterior primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, presidente do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), no dia 12 de Agosto.

José Mário Vaz justificou nessa altura a demissão, entre outras razões, pelas “incompatibilidades de relacionamento institucional” com Simões Pereira, cujo Governo tinha a participação de diversas forças políticas, incluindo o PRS (Partido da Renovação Social) – segunda maior força política do país –  e o apoio da esmagadora maioria de deputados da Assembleia Nacional Popular.

Depois de o PAIGC ter insistido em Simões Pereira para o cargo de primeiro-ministro, o Presidente, também membro do partido, tomou a iniciativa de escolher outro político para chefiar o Governo: Baciro Djá, igualmente do PAIGC mas em rota de colisão com Simões Pereira.

Só depois de semanas de contactos o escolhido por José Mário Vaz conseguiu chegar a acordo com o PRS, que integrava a anterior executivo e, num primeiro momento, se posicionara contra demissão do Governo de Simões Pereira, saído das eleições legislativas de 2014, ano em que também foi eleito o Presidente. Mas a equipa de Baciro Djá não chegou a entrar em funções porque o Supremo Tribunal de Justiça considerou que os actos do chefe de Estado foram inconstitucionais. O Presidente viu-se obrigado a convidar novamente o maior partido guineense, que indicou Carlos Correia.

Um dos motivos que terá levado agora José Mário Vaz a sublinhar que é sua a competência de nomear e exonerar governantes terá sido a indicação de Domingos Simões Pereira para a equipa governamental. A informação de que isso ia acontecer foi dada por fontes do partido a diversos órgãos de informação. O blogue Ditadura do Consenso escreveu que o anterior chefe do Governo teria a importante pasta de ministro da Presidência do Conselho de Ministros e dos Assuntos Parlamentares. “Se isso é verdade, é uma razão para ter dado origem a esta nova crise”, disse ao PÚBLICO Xavier Figueiredo, director do África Monitor, newsletter sobre países africanos lusófonos.

Para o posicionamento do Presidente terá também contribuído a mudança do PRS, que na semana recusou o convite do PAIGC para fazer parte do executivo e disse que nenhum dos seus dirigentes e militantes estava autorizado a fazê-lo. “A recusa do PRS deu capacidade de manobra a Vaz”, considera Xavier Figueiredo.

A escolha de Carlos Correia, 81 anos, três vezes primeiro-ministro, várias vezes ministro, conhecido pelo rigor e seriedade, foi vista como uma solução apaziguadora. Mas o compasso de espera, e as trocas de palavras dos últimos dias, confirmam que os motivos da crise permanecem.

 

 

 

 

 

 

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