Um dia com o Bloco entre o drama do desemprego e o bom exemplo
Depois de uma manhã na feira da Lixa, a caravana do BE esteve numa fábrica que tem uma cadeira à espera de Paulo Portas, para ensinar o vice-primeiro-ministro a exportar um produto.
Situada no concelho de Santa Maria da Feira, esta fábrica de calçado emprega agora mais 19 funcionários do que há quatro anos. Estão todos atarefados, entre moldes, botas, papéis com desenhos. Ali tudo é feito é mão e cada peça é única. Uma das funcionárias explica que está a gaspiar, a coser sapatos. Enquanto a candidata cumprimenta os trabalhadores, o gestor Luís Sá vai contando que as vendas não são tanto para o mercado nacional, que é “fraco”, mas sobretudo para o estrangeiro, em particular para o Norte da Europa. Uma das razões que aponta é o facto, diz, de este tipo de calçado, adaptado às necessidades de cada pessoa, ser comparticipado naqueles países.
A fábrica não foi, claro, escolhida por acaso pelo Bloco. Representa aquilo que este partido considera ser um exemplo a seguir (todos os dias, o BE apresenta um caso que considera ser um bom exemplo). Luís Sá garante que ali se preza a antiguidade, que quanto mais tempo de casa tiverem os funcionários, melhor – mais conhecimentos têm e mais qualidade tem a produção.
Mas não só: dão formação às pessoas antes de começarem a trabalhar. E não têm nenhum interesse em pagar mal aos trabalhadores, assegura o gestor, defendendo que, mais satisfeitos, os funcionários andam mais tranquilos, sentem-se mais seguros e produzem melhor. O salário médio neste momento é de 800 euros, foi aumentando em seis por cento em Janeiro.
O gestor conta ainda que, apesar da crise, nos últimos quatro anos, superaram as expectativas e tiveram um crescimento de 25 por cento ao ano. “Nós, sim, damos um contributo para a exportação.” Perto do fim da visita, Catarina Martins aproveita e pergunta a Luís Sá se preferia que o Governo baixasse o IRS ou mexesse na Taxa Social Única. O gestor acrescenta apenas o IVA. A bloquista brinca e desafia o responsável a convidar o primeiro-ministro Passos Coelho a fazer uma visita à fábrica e fazer as contas. Luís Sá tem a resposta pronta: diz que até têm uma cadeira reservada para o vice-primeiro-ministro Paulo Portas, o “mentor” das exportações, para que possa aprender como se faz.
O outro lado
“Esta empresa é um bom exemplo, tem uma produção altamente especializada, qualificada, faz sapatos únicos para pessoas com deficiência, com problemas de saúde, a sua produção é quase toda para exportação, porque infelizmente as pessoas, em Portugal, não têm o apoio para poderem adquirir o que aqui se faz, e é pena”, diz Catarina Martins aos jornalistas.
A porta-voz realça ainda o facto de a empresa ter aumentado “os salários de forma a compensar a sobretaxa para que os trabalhadores não tivessem perda de rendimento”, actualizando-os até “para lá dessa compensação”.
A conclusão para o Bloco é óbvia: “Quem nos tem vindo a dizer que o futuro da economia era baixar os custos do trabalho, é bom que olhe para aqui.” E aproveitou para criticar novamente mexidas na Taxa Social Única: “Os empresários em Portugal que fazem o melhor que o país tem, que têm empresas que respondem pela economia, pelo trabalho e pelo emprego sabem que não é com baixas na TSU que há nenhuma resposta. O que é preciso em Portugal é que haja condições para que as pessoas tenham salários dignos e, assim, possam produzir bem. Aqui está um bom exemplo, era bom que Passos Coelho e Paulo Portas que gostam tanto de gabar-se de tudo e mais alguma coisa pudessem ouvir os bons exemplos”, disse, acrescentando que, “se querem ajudar as empresas”, deviam baixar os custos da energia e não cortar na Taxa Social Única.
As paredes da fábrica estão cheias de inscrições, deixadas por visitantes. Numa delas lê-se: “Sorria, você tem um emprego. E é na My Orthopedics.” Nesta terça-feira, ficou lá gravada mais uma mensagem: “Cada sapato único para vidas com igualdade. Parabéns. Catarina Martins.”
De manhã, porém, a candidata conheceu outra realidade. Cruzou-se na feira da Lixa com Marida de Lurdes, 52 anos, que lhe contou que ela e o marido estão ambos desempregados. Maria de Lurdes vai votar, porque “este país bem precisa” de uma mudança. Caso contrário, não sabe “onde isto vai parar”.
Depois de a caravana ter seguido, Maria de Lurdes conta que era funcionária de uma fábrica de calçado em Felgueiras, mas teve um problema de saúde e está sem trabalhar há cerca de 10 anos. “O meu marido trabalhava nas obras, nas estradas, e está desempregado”, diz, lamentando que o rendimento mínimo – neste caso, 380 euros – acabe em Janeiro. Está a pensar votar na “menina Catarina”, mas ainda não é certo. A única certeza que tem é esta: “Neste Governo não voto, deus me livre.”