Esta coisa de ser português

O nacionalismo não é o futuro. É um passado, já a cheirar a mofo, do qual podemos tirar apenas umas poucas boas lições. Sejamos antes pessoas, em vez de portugueses

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Stefan Kellner/Flickr

“Primeiro os nossos!”, bradavam os fanáticos de bandeira em riste, de bastão pronto para assentar no lombo de qualquer estrangeiro que ousasse arrombar estas nossas tão sacras fronteiras. Era isto que se via — e ainda vê — há coisa de duas semanas, a propósito deste medo irracional (e, convenhamos, idiota) de que os "outros" vinham para cá tirar lugar aos "nossos". Algumas pessoas parecem ter-se esquecido que que, antes de sermos portugueses, éramos humanos. Histórica e biologicamente.

Não tenho uma particular afinidade com a ideia de pertencer a um determinado país. Quando mo perguntam, digo antes que sou de Sintra ou, para ser mais facilmente identificável quando o interlocutor não conhece a geografia deste lado da Península, de Lisboa. É cada vez mais raro identificar Portugal como o meu lugar de origem. Não por não o conhecer —porque conheço, relativamente bem — nem por não saber mais ou menos a fundo a sua História — também a sei, sem ser especialista. Acontece que os nacionalismos, sejam eles superficiais ou patológicos, parecem-me uma nova tipologia de religião, que, do mesmo modo, assenta em ficções e ideologias próprias de outros tempos.

Hoje, deveríamos ter em voga a cultura própria do “think global, act local”. Dentro em breve, responderemos como Humanidade e não como português ou cubano ou neozelandês. As fronteiras são invenções que deveriam apenas servir para pensarmos que, há uns anos, alguém rabiscou linhas em pedaços de papel e deles fez realidade. Debaixo destes mapas inventados, se formos espreitar, talvez exista apenas um deserto do real, como lhe chamou Baudrillard. No nosso caso, um mapa guarda toda uma História riquíssima, como tão bem o documentou recentemente Maria Cândida Proença, no seu História Concisa de Portugal, um livro simples (sem ser simplista) que explica em detalhe todas as fases por que passou este território.

É inegável que partilhamos determinados valores, provindos principalmente da herança histórica que nos chega através do ADN, metafórica e literalmente falando. Não podemos deixar de ter orgulho no sítio onde vivemos, mas julgo que isso seria mais eficaz em termos locais. Como quem diz “adoro viver em Montemor-o-Novo” em vez de “adoro ser português”. Se pensarmos detalhadamente sobre a questão, nos dias de hoje, o que têm em comum um bracarense e um farense, senão o jugo de uma bandeira, um pedaço de pano pintado? Apenas a política nos impede de largar esta “consciência nacional” e, mesmo assim, pelo estado das coisas, até essa ameaça morrer-nos nos braços.

O nacionalismo não é o futuro. É um passado, já a cheirar a mofo, do qual podemos tirar apenas umas poucas boas lições. A principal lição, todavia, é esta: o nacionalismo separa, desagrega, fanatiza, faz-nos ser menos gente e torna-nos mais crápulas, sem saber que a espécie humana é só uma, seja a pele castanha, creme, azul ou cinzentas às bolinhas amarelas. Sejamos antes pessoas, em vez de portugueses.

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