O mar ainda é a alma da Aguda, que procura nele um futuro
Município de Gaia quer encontrar fundos para criar um verdadeiro portinho para a pesca e náutica de recreio. Investidor quer construir hotel de charme.
Do portão de Rosário avista-se o mar. Da viela desta artista plástica que chegou à Aguda há pouco mais de uma década vê-se o mar também. E o mar atravessa quase toda a sua obra: pinturas, esculturas, colagens sobre objectos marítimos que, espalhados, transformam um estreito corredor numa galeria sobre o lugar. Metros à frente, numa parede do n.º 157 lê-se: “O Mar é a nossa alma”. A inscrição casa com a história, com as fachadas de azulejo da localidade, típicas de zonas marítimas, com a pequena lota e as gaivotas que preguiçam no extenso areal, engordado pela acção das correntes e pelo efeito do molhe construído há meia dúzia de anos.
Mas os barcos são já menos de uma dezena, em operação, e a comunidade piscatória que aqui explorou a abundância de camarão, robalo, polvo e outras espécies, a bordo das famosas bateiras, pequenas embarcações de proa elevada, corre sérios riscos de desaparecer. “Já houve aqui mais de trinta barcos. Agora...ninguém quer ir para o mar”, sentencia Joaquim Chilro, o Kinita, ele próprio ex-pescador desta comunidade no sul do litoral de Gaia.
Há várias razões para o definhar desta actividade. E uma delas será, assume-se entre quem trabalhou neste mar, a falta de condições do porto local. Que não é um porto, mas uma enseada, protegida da ondulação de Oeste/Noroeste por um paredão que, incompleto, face ao projecto inicial do especialista em engenharia Hidráulica Veloso Gomes, acabou por concorrer para um desmesurado assoreamento da praia, que dificulta a actividade dos pescadores.
O projecto inicial previa que o molhe, hoje uma parede paralela à rua do mar com o areal de permeio, se prolongasse no extremo sul, para fora da linha de praia, ou seja, numa orientação nordeste/sudoeste, o que impediria boa parte das areias arrastadas pelas correntes de norte de se acumularem em frente à enseada. Mas essa parte do molhe não chegou a ser construída e o problema salta à vista. Em poucos anos, a praia ganhou metros e metros, mesmo com operações de retirada de areia, e os pescadores viram a sua vida andar para trás.
O académico e biológo marinho Mike Weber, que conhece esta comunidade há décadas e fundou, no final dos anos 90 a Estação Litoral da Aguda (ELA), com a Universidade do Porto e a Câmara de Gaia, mostra-nos, numa maquete guardada numa sala da ELA, aquela que é a sua pretensão, bem acolhida por pescadores, pelo município e pelo autor do projecto do molhe. Para este defensor da cultura marítima local, a Aguda precisa de terminar a obra inicial de Veloso Gomes, acrescentando, se houver condições financeiras, um novo molhe transversal à linha de costa, mais a sul, partindo do enfiamento da ELA, que garantiria a criação de um verdadeiro porto de abrigo.
Numa posição partilhada pelo presidente da Câmara, Eduardo Vítor Rodrigues, e, segundo este, pelo professor da Faculdade de Engenharia, conhecedor profundo da dinâmica costeira, o biológo acredita que com a obra a Aguda passará a ter condições para estimular a manutenção da pequena pesca local. Esta terá acesso gratuito a uma parte dos ancoradouros a instalar na enseada e os restantes serão comercialmente alocados a outras actividades, de náutica de recreio.
O portinho passará também a albergar, em permanência, um meio de salvamento rápido que os Bombeiros Voluntários da Aguda já têm mas estão hoje impedidos de usar. Num parecer ao projecto, estes assinalaram que em toda a costa de Gaia, pejada de praias com bandeira azul e muito procuradas, o meio mais próximo é o salva-vidas do Instituto de Socorros a Náufragos, fundeado na Foz do Douro, no extremo norte do concelho, o que, notam, atesta as vantagens da obra para a segurança no mar.
Mike Weber acredita também que este projecto poderá ajudar a alimentar com areias a praia da Granja, a sul, que tem sofrido os efeitos da erosão na Costa. O biólogo gostava até que o novo porto fosse sujeito a sondagens semanais e fosse pensado de raiz um mecanismo de “aspiração” dos sedimentos da embocadura do novo porto. Através de uma manga instalada no molhe, estes seriam atirados para uma zona mais a sul e arrastados, pelo mar, para onde são mais necessários.
Eduardo Vítor Rodrigues não dá como certo que esse sistema seja concretizável no orçamento previsto mas, quanto ao portinho, delineou um plano A e um plano B para levar a cabo as pretensões desta comunidade pequena - 1500 pessoas, diz - mas com uma identidade muito forte, que “merece ser preservada e valorizada”. A autarquia inscreveu o projecto no Plano de Desenvolvimento Urbano Sustentável, entregue na Área Metropolitana do Porto, que tem cerca de 200 milhões de euros de fundos comunitários para operações de reabilitação de áreas urbanas. Mas se esta hipótese falhar, dada a quantidade de municípios que concorrerão a estas verbas, o socialista acredita ser possível financiar a operação por via de outros programas que apoiem projectos com impacto no ambiente (erosão da orla costeira) e no turismo, por exemplo.
Na cabeça de Weber fervilham ideias quanto à vantagem de se criar, na localidade, um centro de aprendizagem de mergulho e uma residencial. Mas, para já, o que o autarca dá como certo é que há um investidor privado interessado em reabilitar uma pequena propriedade na Aguda, para instalar um hotel de charme, colmatando uma lacuna na oferta na costa Atlântica do concelho. O investimento, assinala, está dependente de uma estratégia de desenvolvimento turístico do lugar, e será acelerado caso o portinho seja mesmo construído, o que a acontecer atrairá também para a Aguda um pólo de uma escola de surf instalada na Afurada, acrescenta Eduardo Vítor Rodrigues.
Se a obra não for por diante, as perspectivas são pelo contrário desanimadoras. Kinita e outros pescadores que, a seu lado, aproveitavam esta semana uma tarde de sol, partilhando histórias de façanhas e perigos da pesca do bacalhau, acreditam que, com o acumular de problemas na baía, e a morte dos mais velhos, também a pesca local passará a ser uma história para contar aos netos. “Em dois anos isto acaba”, avisa também Mike Weber que, chegado a Portugal em 1979, se tornou, com o tempo, num profundo conhecedor do lugar onde vive e preserva na ELA a memória do que já foi, em tempos, a Aguda.