É fácil começar a melhorar a ONU
Há limites para o politicamente correcto. Os critérios de admissão nos órgãos da ONU têm de ser claros e tangíveis. No caso da Arábia Saudita seria simples
Esta não é uma questão burocrática, é uma urgência política. É fundamental mexer na estrutura, organigrama e métodos de trabalho da ONU. A máquina é pesada e o consenso parece impossível, mas nada pode ser desculpa para arrastar os pés por mais tempo.
Há 25 anos – um terço da sua vida – que se discute como reformar o Conselho de Segurança da ONU, que tem cinco membros permanentes com direito de veto e 15 não-permanentes sem esse direito. Alargar, sim ou não? Como e com quem e com que poderes? Portugal apoia a entrada do Brasil e da Índia como novos membros permanentes. Mas há ideias muito diferentes.
Em 1992 Boutros Boutros-Ghali deu formalismo ao debate. Em 2005, Kofi Annan propôs que se alargasse o conselho de cino para 24 e apresentou duas possibilidades – o plano A e o B – sem dizer qual deles preferia. Pediu urgência e deixou um lamento: “Há demasiado tempo que discutimos isto.” Dez anos depois, nada mudou. Do mesmo modo que nada avançara nos dez anos anteriores.
Foi sobre isto que este sábado Narendra Modi, Angela Merkel, Shinzo Abe e Dilma Rousseff conversaram numa sala em Nova Iorque. Sobre como logo a seguir à queda do Muro de Berlim a Alemanha se tornou o terceiro maior financiador da ONU e o Japão o segundo, sobre o facto de o Brasil e a Índia, gigantes em território e população, terem uma nova voz. São o G4.
Contra eles está o Coffee Club, que começou com a Itália, o Egipto, o México e o Paquistão – rivais regionais – mas já tem 50 aliados, entre os quais a Argentina, a Coreia do Sul, Espanha e a Indonésia. O G4 diz que o Conselho de Segurança não tem “legitimidade”; o Coffee Club diz que a entrada do G4 só tornará a disparidade internacional mais profunda.
Infelizmente, não há sinais de mudança. Desequilíbrios bem mais simples continuam imutáveis como uma cordilheira. Em Genebra, acaba de ser anunciada a entrada da Arábia Saudita para o painel que faz recomendações ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Este painel entrevista e selecciona peritos independentes especializados em direitos humanos e propõe “relatores especiais” ao Conselho. Às vezes, estes peritos são incómodos ao ponto de serem declarados persona non grata pelos Estados que acompanham.
Antes da Arábia Saudita, fizeram parte do painel a Nigéria, Cuba ou o Iraque. Dói mais ver a entrada da Arábia Saudita, talvez o país com a pior performance do mundo em matéria de direitos humanos, que executa 100 pessoas por ano por “desrespeitarem” o islão ou praticarem magia.
Há uma explicação lógica: os cinco membros do painel representam as cinco regiões do mundo e rodam entre si. Chegou a vez da Arábia Saudita, para o ano será a vez de outro.
Mas faz sentido que países como a Arábia Saudita façam sequer parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU? Não faz. Há limites para o politicamente correcto. Os critérios de admissão nos órgãos internacionais têm de ser claros e tangíveis.
Neste caso seria simples: Riade só entraria no Conselho depois de assinar a Convenção Internacional dos Direitos Políticos e Cívicos e a Convenção dos Direitos Culturais, Sociais e Económicos, e depois de retirar as reservas à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres; à Convenção contra a Tortura, e à Convenção dos Direitos da Criança. Cinco gestos naturais para quem vai ajudar a escolher os próximos peritos em direitos humanos.