Há três maneiras universais para impedir que uma conversa “saia dos carris”
A meio das conversas, pedimos esclarecimentos aos nossos interlocutores em média de 90 em 90 segundos, seja qual for a língua utilizada. E fazemo-lo recorrendo a formas linguísticas que são muito semelhantes em todas as línguas, conclui um estudo.
O trabalho foi liderado por Mark Dingemanse, do Instituto Max Planck de Psicolinguística em Nijmegen (Holanda) e Nick Enfield, da Universidade de Sydney (Austrália).
Os mesmos cientistas já tinham mostrado, em 2013, que uma interjeição foneticamente semelhante em muitas línguas – e cuja versão em português é “hã?”– era universalmente utilizada nas conversas humanas sempre que alguém precisava que lhe repetissem alguma informação.
Esse trabalho, na altura noticiado pelo PÚBLICO, valeu há dias aos seus autores um IgNobel – um daqueles célebres prémios anuais que recompensam resultados que “primeiro fazem rir e depois fazem pensar” – na categoria de Literatura.
No dia seguinte, antes de termos tido a oportunidade de dar os parabéns aos autores pelo galardão, recebemos um email de Mark Dingemanse a anunciar-nos “duas grandes notícias”. Uma era o prémio (que já tínhamos noticiado) e a outra a publicação de um novo “grande estudo”, escrevia o cientista, no seguimento do trabalho anterior, “que revela ainda outros princípios universais inesperados das conversas humanas (…), dando-nos uma visão mais global de como nos conseguimos perceber uns aos outros contra ventos e marés”.
O que é que eles fizeram desta vez? Descobriram que, para além do “hã?”, o sistema linguístico de base que todos usamos para impedir que as nossas conversas se transformem num “jogo do telefone estragado” possui duas outras componentes, mais sofisticadas – e, ao que tudo indica, igualmente universais.
Para isso, a equipa analisou quase 50 horas de registos em vídeo de conversas espontâneas, num contexto de vida quotidiana. Os registos foram feitos em línguas pertencentes a oito famílias linguísticas, incluindo algumas muito faladas – russo, mandarim, inglês – e outras muito menos conhecidas, tais como o chapala, uma língua indígena do Equador; a linguagem gestual argentina; ou o siwu, falado no Gana. No total, foram estudadas horas de conversas em 12 línguas vindas de cinco continentes.
“Três formas principais de iniciar a reparação [de erros nas conversas] são recorrentes em todas as línguas da nossa amostra”, escrevem os autores na PLOS ONE. A primeira, que designam de “pedido aberto”, dando como exemplo o “hã?”, requer essencialmente a repetição integral de algo que já foi dito pelo interlocutor. A segunda, o “pedido restrito”, apenas requere o esclarecimento de um “componente especifico”: no meio de uma conversa, alguém interrompe o locutor com um “quem?” (algo que com certeza já muitas vezes aconteceu a todos nós). Quanto à terceira “ferramenta” linguística, trata-se de “propostas restritas”, que consistem em repetirmos algo que já foi dito para obter confirmação (“ela teve um filho?”, exemplificam os autores.). Resposta típica neste último caso: “yeah”, escrevem.
“Em todas as línguas [analisadas]”, explicam ainda, “estes três tipos básicos representam a esmagadora maioria das formas de interrupção [para esclarecimento] e utilizam recursos linguísticos semelhantes: interjeições, interrogações, entoações e repetições.”
Nas conversa, as interrupções são bastante frequentes, acrescentam: no conjunto das línguas estudadas, surgem em média de 90 em 90 segundos. Isso mostra, concluem, que as interrupções com vista a obter esclarecimentos "constituem uma característica fundamental e frequente das conversas em todo o lado”.
Os cientistas fazem ainda notar que estas estratégias são usadas de forma “altruísta” pelos interlocutores. “As pessoas preferem escolher o tipo de intervenção mais específico possível, um princípio que (…) minimiza o tempo de interrupção da conversa.”
É um facto, como mostra o exemplo acima, que se usássemos indiscriminadamente o “hã?”, a resposta exigiria mais tempo e esforço por parte do nosso interlocutor do que quando fazemos uma pergunta específica ou quando somos nós próprios a repetir apenas a informação que precisamos de confirmar. Para os autores do estudo, isso “revela o carácter fundamentalmente cooperativo da comunicação humana”.