“Sair da União Europeia seria uma calamidade para nós”
Chris Patten ainda não está pessimista sobre o futuro da Europa, mas diz que se o Reino Unido sair da União será uma calamidade.
PÚBLICO: Estive a reler a entrevista que me deu há quatro anos, a propósito de uma conferência em Lisboa cujo título era “A Europa ainda conta?” Hoje, um dos pontos do debate aqui [nos Arrábida Meetings] foi sobre o declínio da Europa. Nestes quatro anos, dá ideia de que tudo o que podia correr mal, correu. Está pessimista?
Chris Patten: Não sou pessimista. É verdade que a Europa enfrentou desafios muito difíceis nos últimos quatro anos. Em primeiro lugar, houve a crise da zona euro que foi sendo resolvida até um certo ponto e que agora se centrou na relação com a Grécia. Em segundo lugar, enfrentamos problemas na nossa fronteira leste com o revanchismo da Rússia. Em terceiro lugar, estamos a enfrentar um novo problema com as migrações a partir da Ásia e de África, que se traduz numa vaga de refugiados, mas também de imigrantes económicos, e que representa uma crise verdadeiramente existencial para a Europa, na medida em que questiona os nossos valores. Mas, reconhecendo tudo isto, a Europa ainda pode reclamar a melhor qualidade de vida do mundo, prossegue uma política ambiental que é a mais avançada, o Mercado Único continua a funcionar bastante bem. Por isso, digo que a Europa ainda está a sair-se muito bem. A questão é que enfrentamos hoje um mundo muito mais incerto do que nos anteriores cinquenta anos, depois da II Guerra Mundial, e temos de assumir a nossa responsabilidade na tentativa de criar uma ordem mundial mais estável.
O problema europeu é que a Europa tem de contar com novas potências, a Rússia é uma ameaça complicada, o Estado Islâmico não se vê como pode ser combatido, a guerra na Síria provoca esta vaga gigantesca de refugiados. O que considerávamos certo hoje deixa de o seu amanhã.
Deixe-me colocar as coisas de outra maneira. Houve dois períodos no último par de séculos que registaram uma extraordinária estabilidade na ordem internacional: o período seguinte ao Congresso de Viena e o período que se seguiu à II Guerra. Tivemos, depois da guerra, uma ordem assente em regras no domínio económico e político. Agora, há fracturas e ninguém sabe como substituir a velha ordem. Alguém recordou aqui o velho adágio espanhol: o caminho faz-se caminhando. Temos de descobrir nós próprios um novo caminho, construído na esperança de que os nossos velhos valores consigam reestabelecer a estabilidade entre países e entre continentes. As coisas ficaram mais complicadas com a emergência de novas potências e porque os problemas maiores não vêm dos Estados mais fortes mas dos Estados falhados. Ainda não encontrámos uma forma satisfatória de incentivar a cooperação internacional para resolver os problemas desses Estados.
Vamos desistir de encontrar? Não. Mas não é fácil. Fico muito satisfeito por termos em Angela Merkel uma líder europeia muito forte. Creio que é muito injustamente criticada, sendo ela na realidade uma europeísta generosa. O que está a fazer face às vagas migratórias revela uma compreensão profunda do que são os valores europeus fundamentais. Por isso, não estou pessimista quando à possibilidade de avançarmos no bom sentido. Preocupa-me o facto de não termos ainda uma ideia sobre o que é preciso fazer para construir essa nova ordem que sucederá à que tivemos depois da II Guerra.
O seu país arrisca-se a sair da União Europeia, o que seria uma situação bastante grave para a Europa…
E seria uma calamidade para nós. Seria a primeira vez na História moderna que o Reino Unido escolheria fazer parte da segunda divisão. Não creio que isso vá acontecer. Penso que precisamos de uma reavaliação da liderança americana. A América é a única superpotência e o único país que conta em qualquer parte do mundo e precisa de cooperar com uma Europa forte e confiante.
Com o Reino Unido…
Com o Reino Unido. Espero que votemos com sensatez no referendo e que Cameron, que conta com uma economia mais forte do que as economias continentais, seja capaz de de fazer com que o Reino Unido seja uma parte inteira da União Europeia. Ajudando a negociar um acordo de comércio com os EUA (TTIP), capaz de garantir a realização completa do Mercado Único, contribuindo, graças à nossa capacidade militar, para uma estratégia mais positiva em relação à Rússia.
A Rússia vai ser ainda mais perigosa nos próximos anos. Não se esqueça de que a última vez que o preço do petróleo caiu cerca de 50 por cento, a União Soviética desapareceu. A actual queda abruta do preço do petróleo aumentou imenso a pressão sobre a Rússia, cuja economia vai contrair este ano 3,5 por cento ou mais, o que terá efeito sobre o bem-estar das pessoas e um efeito ainda maior nos magnatas que rodeiam Putin. O perigo é que, nessas circunstâncias, ele acabe por cometer um erro de cálculo, deixando-se arrastar para uma aventura politica nacionalista.
Para além do risco de um cálculo errado da Rússia, mantêm-se problemas reais no Paquistão, que estivemos a discutir aqui. E a China vai atravessar um período difícil, com o seu crescimento económico a cair. Se acrescentarmos outros problemas imediatos, como a falta de um governo na Líbia, facilitando a migrações através do seu território, os refugiados no Afeganistão e os que emigram da Eritreia ou da Somália, percebemos que as soluções não são fáceis.
Por isso, estava a questioná-lo sobre o papel do seu país. Cameron manteve um discurso muito duro contra mais imigração. Esta rejeição é bastante contrária ao espírito de abertura que é tradicional no seu país.
Em primeiro lugar, não estamos a fechar a porta, muito longe disso. Graças ao sucesso da economia estamos a criar mais empregos do que qualquer outra economia europeia, mas temos um problema com o Estado de bem-estar. Muitos dos empregos criados são de baixos salários e nós temos um welfare que dá às pessoas com salários baixos uma série de benefícios. E isso torna-se muito atractivo para búlgaros ou romenos, criando um problema real. Mas isso nunca nos impediu de receber centenas de milhares de europeus que ajudaram a fortalecer a nossa economia. Os polacos são um exemplo disso.
Creio que os imigrantes económicos de Calais e os refugiados da Síria são casos diferentes. No caso da Síria, como sabe, o Governo britânico é, de muito longe, o maior contribuinte para a assistência aos campos de refugiados. Creio que contribuímos com mais do que a Alemanha, França, Itália, Espanha juntas. Em segundo lugar, creio que Cameron pensa que, se formos buscar as pessoas aos campos [fora da Europa], isso leva-as a perceber que essa é a sua melhor oportunidade de chegarem de forma segura. É uma questão de avaliação e, mesmo assim, vamos receber 20 mil e gastar muito dinheiro. E devemos fazê-lo, porque se trata de uma crise mundial, não é apenas uma crise europeia.
Mas há um fenómeno que estamos a enfrentar, que é semelhante a Donald Trump nos Estados Unidos ou o Syriza na Grécia…
Jeremy Corbyn.
Exactamente. É aquilo a que eu chamo de fenómeno “parem o mundo, quero sair”. É um voto louco ou romântico no passado, e está a afectar muitas democracias. Poderia imaginar Trump como Presidente dos Estados Unidos? Ou Corbyn como primeiro-ministro?
Parece impossível, de facto. Mas se ganhar, será o próximo líder do Labour [a entrevista foi feita no dia das eleições].
Vai ganhar e isso não é uma boa notícia para o Governo. Há colegas meus no Partido Conservador que estão felizes porque terão uma oposição fraca. Não creio que seja assim. Um conservador à velha maneira, como eu, entende que os governos precisam de uma oposição forte e responsável. Sem isso, tende-se a cometer erros desnecessários, fica-se arrogante, pensa-se que se pode fazer tudo. Com Corbyn, o problema é que ele pensa que tudo o que acontece de mal no mundo é por culpa dos americanos, é contra o poder nuclear britânico e uma defesa forte, pensa que o dinheiro nasce nas árvores e que não são precisas finanças equilibradas.
E não vai ajudar Cameron a ganhar o referendo porque a sua posição sobre a União Europeia é bastante ambígua.
Ninguém sabe exactamente o que pensa. O principal argumento para que o Reino Unido fique na União Europeia é muito simples: como qualquer outro país da União, nós não somos tão importantes como fomos há 20 anos, há 50, há 100. Quando decidimos candidatar-nos à Comunidade Europeia eramos membros da EFTA, pensávamos que conseguiríamos encontrar uma alternativa ao Mercado Comum que respeitava os nossos interesses económicos, que não fazia exigências politicas. Nesses dias, o Reino Unido representava 8 por cento do comércio mundial. E, mesmo assim, considerámos que a EFTA não era suficiente. Hoje representamos 3,4 por cento do comércio mundial e pensamos que podemos desenvencilhar-nos sozinhos. É uma loucura.
Os americanos dizem que é uma loucura, os chineses, os indianos, os japoneses. Alguns dos meus colegas da ala direita do Partido Conservador respondem-me: os americanos não sabem quais são os nossos interesses. Não gosto do facto de nos termos colocado nesta posição, mas vamos ter de lidar com ela.
O problema é que a paisagem política europeia, incluindo no seu país, está a mudar, abrindo espaço aos movimentos nacionalistas, xenófobos, radicais. E isso não ajuda muito.
As pessoas esqueceram-se de que somos, todos, uma comunidade de minorias. Porque é que sou um cidadão britânico? Porque os meus tetravós emigraram da Irlanda durante a Grande Fome e fixaram-se na Inglaterra. Nesses tempos, também eram olhados como gente perigosa e, ainda por cima, católica. Ao longo dos séculos, demos abrigo a huguenotes, judeus, fugidos da Europa de Leste, irlandeses, mais recentemente das Caraíbas, do continente asiático. Não temos uma identidade única. Somos uma mistura. E o que conseguimos fazer de uma forma notável foi integrar toda essa gente. Uma das minhas filhas é casada com um rapaz muito simpático das Caraíbas. Três dos meus cinco netos têm esta dupla origem.
Voltando ao início, pensa que o declínio europeu não será tão rápido nem tão inevitável?
Se outros grandes países aumentarem o seu rendimento per capita, seremos mais pobres em termos agregados. Mas, em termos de riqueza per capita, não é a mesma coisa. A China tem hoje o mesmo rendimento per capita que a Jamaica. A China vai ser tão rica como a Europa? Vai levar muito tempo.
Um dos temas que debateram foi a relação entre China, Japão e Índia. O que devemos esperar de Xi Jinping? E daquela demonstração recente de poderio militar?
Há duas grandes mudanças. A primeira é que o crescimento espectacular dos últimos vinte anos não vai continuar. Se acreditarmos em Larry Summers, será de 4 ou 5 por cento este ano. O FMI prevê à volta dos seis por cento. Só esse facto tem consequências para nós todos e não só para a China.
Em segundo lugar, eles tiveram uma forma de colectiva liderança, mas agora, pela primeira vez desde Mao, escolheram um imperador. Deng Xiao Ping quis evitar o risco de um novo grande líder. Xi é diferente, mas também tem um papel muito difícil a desempenhar. A não ser que o Partido Comunista alivie o seu controlo sobre a economia, vai ser muito difícil controlar o Estado. Temos, todos, interesse em que a China consiga este novo equilíbrio. Mil e trezentos milhões de pessoas é muito. Vimos como a queda das acções da bolsa de Xangai teve repercussão em toda a parte. Precisamos que a China se dê bem.
Mas o que estamos também a ver é uma política externa muito mais assertiva ou agressiva…
Assertiva!
Assertiva. Relativamente aos seus vizinhos e com o Japão.
Mas isso tem sido, em alguma medida, contraproducente. Quanto mais assertiva a China é com os seus vizinhos, mais os seus vizinhos dirão: “Queremos que os americanos fiquem por cá.” É fascinante ver até que ponto os vietnamitas querem melhorar a sua relação com os Estados Unidos. O que desejo é que a China não caia na tentação de usar o nacionalismo como substituto para a crescente melhoria da vida das pessoas.