O homem que “não gosta de pagar salários” vai voltar às compras nos EUA

A Altice, dona da PT Portugal, gastou mais de 45 mil milhões de euros em ano e meio, mas o presidente, Patrick Drahi, diz que a empresa vai continuar a investir.

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Patrick Drahi diz que a Altice ainda não parou de investir

Foi na quinta-feira passada, em Nova Iorque, no mesmo dia em que a empresa anunciou a segunda compra nos Estados Unidos (a Cablevision), que Drahi confessou, perante uma casa cheia, que o seu sonho americano não se fica por aqui. Com a compra da Suddenlink, em Maio, por cerca de oito mil milhões de euros, e da Cablevision, por aproximadamente 15,5 mil milhões, a Altice converteu-se no quarto operador de cabo naquele país. Mas isso não chega para Drahi. “Somos muito pequenos”, disse o empresário franco-israelita, garantindo que vai comprar mais empresas de cabo para ganhar escala e depois começará a olhar para o móvel.

Para já, o plano da Altice (que em Maio quis comprar a Time Warner, mas foi fintada pela Charter, de John Malone) é simples, aplicar às empresas norte-americanas a mesma receita de cortes de custos usadas nas outras operadoras. Dexter Goei, o presidente executivo da Altice, explicou na conferência que há mais de 300 executivos na Cablevision que ganham mais de 300 mil dólares por ano (263 mil euros). E isso terá de mudar. “Não gosto de pagar salários. Pago o menos que posso”, afirmou Drahi, citado pela Variety.

Da junção entre a Suddenlink e a Cablevision (que se vão manter como estruturas independentes), há um potencial de poupanças de pelo menos 900 milhões de euros, diz a Altice. “O meu modelo é levar a ARPU [receita média mensal por cliente] dos Estados Unidos para a Europa e o nível de custos europeus para os Estados Unidos”, sintetizou Drahi, o terceiro homem mais rico de França.

A prazo, a meta da Altice é ir buscar metade das receitas aos Estados Unidos. Para já, com a conclusão destes dois primeiros negócios extingue-se o estatuto de que gozou fugazmente a PT Portugal, a de segundo maior mercado da Altice, a seguir à França. Segundo dados divulgados pela empresa na semana passada, a Numericable SFR vai manter-se responsável por 51% do volume de negócios, 30% virá dos Estados Unidos e apenas 11% de Portugal.

Segundo o New York Times, a Altice terá capacidade para angariar 30 mil milhões de dólares (aproximadamente 26 mil milhões de euros) para continuar às compras nos EUA. Um valor chamativo para quem no espaço de ano e meio já investiu mais de 45 mil milhões de euros (incluindo o negócio da PT Portugal, de 7,4 mil milhões). Isto sem mencionar as investidas no sector dos media, com a aquisição de jornais, revistas e cadeias de rádio francesas, a que se somam agora alguns canais de informação e jornais locais da Cablevision. A Altice também prometeu estudar novas oportunidades no mercado português.

A sombra da dívida
O grupo saltou definitivamente do anonimato quando anunciou a compra da SFR à Vivendi em Março do ano passado, por mais de 15 mil milhões de euros. Foi com a fusão da SFR e da operadora de cabo Numericable que Drahi criou a segunda maior empresa do mercado francês.

Mas o caminho não se fez sem criar anticorpos. Depois da instabilidade criada na SFR, com a redução de custos agressiva, a saída de trabalhadores, os atrasos nos pagamentos a fornecedores e renegociações e cortes nos contratos (o “método Altice” que já está a ser aplicado na PT Portugal e cujos efeitos se espera que sejam mais visíveis após as eleições legislativas), as ambições da empresa chocaram de frente com a irredutibilidade do ministro da Economia, Emmanuel Macron.

Foi ele quem inviabilizou a compra da Bouygues (a terceira maior empresa do mercado, pela qual a Altice ofereceu dez mil milhões de euros). “O negócio é bom para a economia? A resposta é não. É bom para o investimento? Não. É bom para o emprego? Não”, disse o ministro, citado pelo Financial Times (FT). Dizendo-se “muito preocupado” com o nível do endividamento da Altice devido “ao seu tamanho e papel na economia”, Macron afirmou que tinha obrigação de “olhar por isso”. E o negócio não se fez.

A dívida líquida da Altice ronda os 28 mil milhões de euros (a capitalização bolsista está nos 24 mil milhões). Até ao final de 2016, com as duas compras nos EUA, o endividamento deverá subir para 48 mil milhões, estima o FT. No caso da Cablevision, dos 15,7 mil milhões de euros do negócio, mais de sete mil milhões serão assegurados por dívida nova que será contraída pela própria Cablevision.

Enquanto alguns analistas questionam a sustentabilidade da estratégia, outros recordam que a Altice continua a crescer (o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações melhorou 13% no segundo trimestre para 1,5 mil milhões) e que os cortes de custos e medidas de eficiência aplicados às diversas empresas permitem libertar recursos para pagar dívida rapidamente. Para o próprio Patrick Drahi a questão é simples: “Quem está focado na redução da dívida é porque tem um problema de crescimento”, disse o empresário numa audição no Parlamento francês, em Junho. Os responsáveis da Altice têm adiantado que o nível de endividamento lhes dá a flexibilidade necessária para aproveitar as oportunidades de crescimento com que se deparam e que essa é uma estratégia que os accionistas valorizam.

Bulímico, voraz e insaciável são alguns dos adjectivos utilizados na imprensa para qualificar Drahi. Num artigo de Março, com o título sugestivo “Borrow, buy, cut” (“Pede emprestado, compra e corta”), a Economist recordava que, num contexto de juros baixos a Altice poderia facilmente continuar a pedir dinheiro emprestado. Por isso seria “difícil imaginar que Drahi parasse por aqui” depois de ter chegado tão longe com o seu modelo de crescimento. Na passagem pelo Parlamento francês, Drahi deixou claro que ainda não é hora de parar: “Se eu acabasse com aquilo a que chamam o meu ‘crescimento bulímico’, em cinco anos teria deixado de ter dívidas (…) e depois o quê? Isso seria estúpido, porque em cinco anos teria deixado de crescer”.

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