Quatro personagens à procura de um descarrilamento
Houve vida para os Artistas Unidos depois de António, Um Rapaz de Lisboa. Ainda há: continuam na cidade, agora no Teatro da Politécnica, onde se preparam para estrear Jogadores, de Pau Miró. Barcelona, fase gentrificação, nunca esteve aqui tão perto.
Jorge Silva Melo tem uma confessa atracção por estas personagens para as quais habitualmente não se olha e que ocuparão o Teatro da Politécnica, em Lisboa, entre 23 de Setembro e 24 de Outubro (entre 28 e 30 de Outubro estarão em Coimbra, no Teatrão). Estes homens abandonados a quem o teatro pode prestar atenção e que o lembram de Gangsters Falhados, comédia satírica de 1958 realizada por Mario Monicelli.
Tal como no filme de Monicelli, também em Jogadores há um assalto, momento de adrenalina que rompe com a pasmaceira dos dias pegados uns aos outros em que os quatro amigos se juntam à mesa da cozinha. Mas se no filme de Monicelli o assalto é um desastre, em Jogadores é um sucesso. Ou melhor, é um meio-sucesso. Talvez, na verdade, não seja sucesso algum. Mas, ao menos, dá-lhes o dinheiro de que precisam para poderem continuar a jogar.
Sem que o apartamento em que se encontram alguma vez seja localizado no espaço, a verdade é que Silva Melo vê aqui “a história de um apartamento de Barcelona contada através da triste ilusão destas pessoas, que nos falam também da Ucrânia, dos emigrantes e das pessoas que aparecem e estão a transformar a cidade”. Foi aí, em Barcelona, numa Barcelona que já não existe, que o autor Pau Miró gastou a sua juventude. É sintomático, por isso, que logo na primeira cena Miró coloque o barbeiro a queixar-se da falta de clientes, da sua passagem de proprietário para simples funcionário e da intenção do filho do dono em fazer mudanças: “Quer transformá-la [à barbearia] em bar ou supermercado. Ou modernizá-la. Não tem uma única ideia clara.”
A ideia clara, portanto, é a da gentrificação. E esse subtexto corre também por Jogadores, no movimento de deslocação para a periferia, seja ela espacial ou metáfora para vidas subitamente esvaziadas. Nestes quatro há, no entanto, candura e não desespero: agarram-se à amizade como motor de sobrevivência. Quando o professor, acometido por ataques sonâmbulos, surge aos outros três com um revólver carregado com quatro balas que teria pertencido ao seu pai, não é em suicídio colectivo que pensam, apesar da sua situação. Se o coveiro chega a sugerir que joguem à roleta russa – uma mera sugestão de entretenimento, não mais do que isso –, a ideia de virarem a arma contra si não chega sequer a ser equacionada. “Não vêem a vida como um mar negro, como revolta”, argumenta Silva Melo. “Esperam apenas um pequeno acontecimento na vida, esperam que alguma coisa descarrile.”
Entendido, assentirão os espectadores, portugueses deste ano de 2015. “Estão como grande parte dos europeus desta classe de pequeníssima burguesia que começam a ficar marginalizados”, acrescenta o encenador. “E têm um último golpe para nada, totalmente gratuito.” De facto, depois do assalto, não usam o dinheiro para “comprar” um lugar de volta ao mundo que continua a avançar lá fora sem eles. Mantêm as suas costas voltadas a esse mesmo mundo que os desprezou. O máximo, honesto, a que aspiram é ganhar a próxima vaza.