Maioria dos contratos entre Estado e Grupo Lena resulta de concurso, diz defesa de Sócrates
Requerimento apresentado pela defesa analisa negócios do grupo durante últimos governos socialistas, reconhecendo contratos no valor global de 166 milhões entre 2008 e 2010.
“Não se vê – e o Ministério Público, nas suas vácuas formulações, não ajuda a ver – por que meios poderia o arguido ter decidido, condicionado ou influenciado a decisão dos júris dos concursos – a esmagadora parte dos contratos adjudicados foi-o no seguimento de concursos públicos internacionais regidas pelo direito de contratação”, sublinha a defesa de Sócrates. E continua, em tom de ironia, a realçar que, se assim fosse, seriam cúmplices da corrupção “todos os membros dos órgãos das empresas públicas que contrataram, todos os membros dos júris que decidiram os concursos, sem esquecer a óbvia necessidade de corromper também os representantes das demais empresas concursantes, que, muito provavelmente, não se quedariam silentes e resignados perante o atropelo dos seus direitos e interesses”.
A defesa sublinha ainda que, entre 2008 e 2011, as contratações por ajuste directo “quedaram-se por 7% do total, contra 10% dos depois de Julho de 2011, já com o novo governo”.
De seguida, os advogados João Araújo e Pedro Delille reconhecem que o Grupo Lena celebrou com o Estado, entre 2008 e Junho de 2010, 74 contratos no valor de 166 milhões de euros, notando que esse valor é “algo longe dos 200 milhões de que fala o Ministério Público, sendo que o número, absoluto, assim expresso, nada revela”. Por isso, a defesa apresenta o impacto destes contratos no total das adjudicações, num quadro que começa em 2009 (omite 2008) e vai até 2014. Em 2009, o ano em que termina o primeiro mandato de Sócrates, os contratos assinados entre o Grupo Lena e o Estado representam 1,44% do total das adjudicações. No ano seguinte, a percentagem diminui para 0,25% e, em 2011, sobe para os 2%. Em 2012 e 2013, o peso relativo fica-se entre os 0,36% e os 0,25%, disparando para os 2,47% em 2014. “Números que não espelham a propalada importância do Grupo Lena, induzida por favorecimento de Governo, qualquer que ele fosse, e certamente bem longe do ‘maior fornecedor do Estado’, como alguns idiotas úteis teimam em proclamá-lo”, comentam os advogados.
No documento afirma-se que “a operação comercial do Grupo Lena não regista qualquer variação assinalável durante o mandato do Governo presidido” por Sócrates, que tomou posse em Março de 2005 e deixou de ser primeiro-ministro em Junho de 2011. Para demonstrar isso mesmo a defesa apresenta um quadro com a evolução do volume de negócio do grupo entre 2006 e 2013, sem referir a fonte dos dados. Os números, coincidem, contudo, com os apresentados nos relatórios de contas da Lena SGPS, disponíveis no site do grupo.
Segundo o requerimento, em 2006 o grupo registou um volume de negócios de 402 milhões de euros, que subiu para 457,5 milhões no ano seguinte e para 492,5 em 2008. No ano em que termina o primeiro mandato de Sócrates o volume de negócio do grupo desce ligeiramente (491,6 milhões), mais 32,5 milhões que no ano seguinte. O recorde é atingido em 2011 com 508,6 milhões que descem no ano seguinte para 495,4 milhões e, 12 meses mais tarde, para os 410 milhões.
“E também não terá sido nas celebérrimas PPP ‘s rodoviárias que se encontrará vestígio de favorecimento do Grupo Lena pelo Governo do arguido”, sustentam os dois advogados. Para tal, relembram que nas dez concessões contratualizadas pelos Governos de Sócrates o Grupo Lena apenas participou “minoritarimente” em dois consórcios vencedores: Baixo Tejo (7,875%) e Litoral Oeste (16,25%). Por isso, ocupa o 16.º lugar num ranking sobre estas concessões elaborado pela consultora Ernst Young numa auditoria encomendada pelo actual Governo.
“Finalmente, também não são os números relativos ao Parque Escolar que permitem vislumbrar tal favorecimento”, escreve a defesa. Os advogados dizem que os dez contratos em que participou o grupo, com um valor global de 138,7 milhões de euros, equivalem a 6,7% do total. João Araújo e Pedro Delille lembram que a Inspecção-Geral de Finanças organizou um ranking das empresas que obtiveram mais contratos e que o grupo só aparece na 8.ª posição, através da construtora Abrantina.
O requerimento solicitava a libertação imediata de Sócrates e seguia-se a um outro entregue pela defesa também na semana passada com o mesmo propósito. Mas teve pouco impacto na decisão do juiz Carlos Alexandre que determinou a prisão domiciliária de Sócrates, a medida de coacção pedida pelo Ministério Público, que considerou que, face à prova já reunida, o perigo de perturbação do inquérito encontrava-se diminuído.