Capacetes na Serra de Lumiares para recordar a morte de 14 bombeiros de Armamar
Há 30 anos, 14 bombeiros morreram num incêndio em Armamar. Foi um dos mais trágicos acidentes registados em Portugal. Nesta terça-feira, na Serra de Lumiares evocam-se a data e os homens que tombaram. José Manuel Fulgêncio, que segura o porta estandarte da corporação, foi o único sobrevivente
São estes 14 bombeiros que tombaram no terreno que nesta terça-feira são homenageados na Serra de Lumiares. José Manuel Fulgêncio lá conta estar à frente da parada de bandeira em riste.
Trinta anos depois do acidente que tirou a vida a 14 homens, o bombeiro ainda não esqueceu os “acudam-me” dos colegas. Era o último de uma fila de 15 bombeiros que decidiram descer um desfiladeiro para chegar à povoação de Vila Nova onde os sinos a tocar e os gritos das pessoas advinhavam a aproximação das chamas. “Era dia de Nossa Senhora dos Remédios e nós estivemos a combater uma frente que já estava extinta. Ouvimos os sinos e como não queríamos perder tempo fomos a pé pelo vale. Quando nos apercebemos, as chamas enormes estavam de novo à nossa frente e uma mata muito grande e difícil de romper. Íamos todos em fila e de repente comecei a ouvir os gritos e a ver botas a ficarem para trás. Estava muito fumo e eu caí de um muro e fiquei separado dos meus colegas”, conta.
A partir daqui pouco se lembra a não ser que conseguiu chegar a uma caminho e foi socorrido. Foi para o hospital onde esteve a ser tratado aos ferimentos provocados pela queda e acompanhado depois de receber a notícia que todos tinham morrido. No hospital, recorda-se, recebeu a visita de Ramalho Eanes, então Presidente da República. “Saí no dia do funeral dos meus queridos e fui sempre ao lado do carro”, explica.
Hoje, sempre que ouve a sirene, este bombeiro fica com o “bichinho” de ir logo ao quartel. “A minha mulher é que me diz ‘está quieto Zé Manel’”. “Depois do acidente, fiquei desanimado e queria abandonar, mas recebi uma carta de Lisboa a dizer que não podia sair porque eles [os bombeiros] já eram poucos e que se eu não continuasse ele [que escrevia a missiva] não ia aguentar. ‘Tenha coragem sr. José Manuel’, dizia a carta. Para lhe fazer a vontade fiquei lá e ainda bem”, assegura.
José Manuel Fulgêncio, que tem dois outros filhos na Corporação, voltou a combater incêndios, a estar ao lado dos seus colegas e a ter de ver os funerais de muitos outros que também tombaram no cumprimento da sua missão. “Fui eu que levei o estandarte dos Bombeiros de Armamar nos funerais dos meninos de Carregal do Sal [mortos em 2013 no incêndio do Caramulo]”, conta, mas sempre orgulhoso da farda de trabalho que tem no quartel e da farda de gala que usa nos dias especiais. “Ainda estou pronto para usar qualquer uma delas”, avisa.
Hoje, José Manuel Fulgêncio vai usar a sua farda de gala na cerimónia que evoca os 30 anos deste acidente. Os homens, com idades entre os 17 e os 39 anos, tombaram na Serra de Lumiares e no local onde foram encontrados mortos encontram-se agora capacetes com o seu nome. As cerimónias começam com uma missa na Igreja Matriz de São Miguel de Armamar, seguindo-se uma romagem ao monumento de homenagem que se ergue à entrada da vila, inaugurado em Setembro de 2010. Segue-se a visita ao cemitério de Santa Bárbara onde os soldados da paz foram sepultados. A cerimónia termina no local da tragédia com a bênção do monumento evocativo.
Em 1985 o país foi fustigado por um elevado número de fogos que não deram descanso aos bombeiros. No quartel dos Bombeiros de Armamar recorda-se sempre a tragédia que “fez eco no país e no estrangeiro”. “Ainda hoje esta gente sofre o drama”, sublinha o presidente da Câmara de Armamar que tinha 13 anos quando viu o “desespero de tanta família”.
Trinta anos depois, as causas do acidente foram atribuídas a uma mudança de comportamento do fogo, como explica o investigador Domingos Xavier Viegas que há dois anos lançou o livro Cercados pelo fogo em Armamar.
Hoje, admite o comandante da Corporação de Armamar, Alberto Cochofel, “talvez esta tragédia não fosse tão fácil de acontecer porque os bombeiros têm outro tipo de formação e há mais cautela”.
“As pessoas fazem questão de que estas vidas não sejam esquecidas. Foram 14 bombeiros que morreram ao serviço da população”, salienta o comandante que, na altura, já fazia parte da Corporação. “Eram os meus colegas”, conclui.