Apanhar um uber às escondidas dos taxistas
A poucos dias da manifestação de táxis, o PÚBLICO foi de uber até ao aeroporto de Lisboa, o ponto quente da discórdia. E chamou de lá um carro para regressar.
O aeroporto de Lisboa é um local muito apetecível para quem ganha a vida a transportar turistas e onde os táxis se acotovelam no Verão. Nos últimos dias, tem sido palco de confrontos entre taxistas e motoristas de carros que trabalham com a Uber.
No início do mês, uma turista chamou um carro através da aplicação. Quando o veículo chegou, o condutor foi abordado por vários taxistas, impedindo-o de transportar a cliente. A cena foi gravada por outra pessoa, que tinha também pedido um uber. O vídeo foi publicado no YouTube e chegou às televisões. Há mais relatos de situações semelhantes.
A viagem de uber feita pelo PÚBLICO foi de 12,49 quilómetros, durou 12 minutos e 33 segundos e custou 11,88 euros. Os recibos que o serviço envia por email incluem todos os detalhes da viagem, incluindo um mapa com o trajecto. A aplicação dá previamente uma estimativa do custo e permite ao cliente acompanhar no telemóvel o percurso do carro e perceber se este segue a rota do GPS – um factor que será valorizado por turistas receosos que aterram e não conhecem as ruas de Lisboa. O pagamento é feito através da aplicação, com recurso ao cartão de crédito introduzido na altura do registo. Não há necessidade de entregar dinheiro, nem preocupações com trocos ou eventuais gorjetas.
A chegada ao aeroporto decorreu sem problemas. Mas, no local, há taxistas que se queixam da concorrência, que consideram ilegal, e o ambiente é hostil. A meio da tarde, na praça de táxis junto à porta das chegadas, a fila de viajantes acabados de aterrar e à procura de transporte é longa. A polícia tenta minimizar a confusão e nenhum taxista tem tempo para falar.
Do outro lado, nas partidas, onde só vai quem conhece o truque para evitar a fila maior, o ritmo é muito menor. O tempo de espera para apanhar um cliente oscila aqui entre os 30 e os 45 minutos, diz Júlio Santos, um dos taxistas. Afirma já ter visto vários ubers no local, mas garante nunca ter testemunhado confrontos. Isabel Sá Viegas, também taxista, mas há apenas oito meses, e a única mulher ali, corrobora: "Aqui não há confusão nenhuma".
Armando Polónio, que conduz táxis há 30 anos, aproxima-se e esforça-se por se juntar à conversa. "Este ano, há mais turismo, mas menos trabalho", afirma, desenrolando queixas. "São os ubers, os tuk-tuk, as carrinhas dos hotéis. Estão-nos a sufocar". Ainda não viu confrontos no aeroporto. "Que eu tivesse dado conta, ainda não houve". Mas rapidamente acrescenta: "Eu sou dos que está na disposição para isso".
A estratégia de protesto dos taxistas estende-se à Internet. No Facebook, um grupo chamado "Motoristas de táxis nos aeroportos" tem cerca de 200 membros e é uma crónica em construção da rivalidade entre táxis e a Uber. Na mesma tarde em que o PÚBLICO foi até ao aeroporto, um dos membros daquele grupo publicou duas fotografias, cada uma com uma folha de papel branco onde, escrito a caneta, estão matrículas de automóveis e as respectivas marcas. "Caros colegas e amigos vai mais umas matriculas para a lista carros que ja foram intercetados [sic]". São 29 no total.
Mais abaixo, outra foto mostra um homem ao lado de um cartaz impresso com letras pretas e vermelhas, no local onde os passageiros saem, de uma forma que torna quase impossível que não seja visto. Diz, em inglês: "Atenção. A Uber não é legal em Portugal. Não use esta aplicação". Há um xis vermelho por cima do logótipo da empresa.
Por outro lado, há quem opte por outra estratégia e apele no Facebook a uma melhoria do serviço: "Só vamos conseguir vencer esta luta com a reforma no sector. Mude a sua atitude com o cliente, procure oferecer um serviço de excelência 100% seguro e higiênico", lê-se numa publicação, escrita em português do Brasil. "Os tempos são outros, a praça está mudando, a tecnologia está aí (…) Se não mudarmos logo, será o fim dos amarelinhos”.
Outras fotografias mostram carros que trabalham com a Uber e os respectivos condutores a serem identificados pela polícia. Os rostos nas imagens foram cortados. A PSP já confirmou ter identificado alguns motoristas naquele local. Contactado pelo PÚBLICO, o comando metropolitano de Lisboa da PSP disse não ter informação de desacatos e não conseguir saber se houve queixas apresentadas por pessoas envolvidas.
Se chegar ao aeroporto foi “a parte complicada", apanhar lá um Uber também significou contornar eventuais riscos. O carro tinha sido pedido, através da aplicação, para a zona das chegadas, onde os táxis pareciam não ter mãos a medir. Contudo, o motorista que aceita o pedido telefona e pergunta se o encontro pode antes ser feito nas partidas. “É mais seguro”.
O condutor (que, tal como o anterior, não quer ser identificado) explica ter recebido uma mensagem da Uber com conselhos para evitar certas zonas do aeroporto e refere que alguns colegas deixaram de ir buscar pessoas ao local. Os ânimos, diz, têm aquecido com o aproximar de terça-feira, dia para que está convocada uma manifestação de taxistas. “No outro dia, atiraram-se para a frente do carro”, queixa-se.