Bombas e ataques aéreos enterram frágil trégua entre Turquia e PKK
Separatistas curdos matam 16 soldados e forças turcas respondem com ataques aéreos junto à fronteira com o Iraque.
Os primeiros golpes na frágil trégua que vigorava desde 2013 foram infligidos em Julho, depois de um ataque suicida dos extremistas do Estado Islâmico em Suruç, uma cidade turca junto à fronteira com a Síria, que matou 32 pessoas. As milícias curdas acusaram o Governo turco de nada fazer para proteger as populações dos ataques dos jihadistas, e poucos dias depois mataram dois polícias turcos em Sanliurfa, uma cidade de maioria curda, perto de Suruç.
Em resposta, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, declarou guerra total aos jihadistas do Estado Islâmico e também às milícias curdas no Norte do Iraque – os combatentes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) lutam contra os extremistas islâmicos, mas uns e outros são considerados organizações terroristas por Ancara (e também pela União Europeia e pelos EUA).
Esses ataques aéreos turcos contra várias posições do PKK no Norte do Iraque, incluindo territórios do Curdistão, tiveram também uma resposta dos separatistas: uma semana depois, no dia 2 de Setembro, lançaram o primeiro ataque suicida em dois anos, matando dois soldados turcos e ferindo 31.
A mais recente ofensiva do PKK foi lançada este domingo, à passagem de uma coluna militar turca, na região montanhosa de Daglica, um bastião curdo no Leste da Turquia e junto à fronteira com o Iraque.
"Dois dos nossos veículos blindados sofreram muitos danos depois da detonação de um explosivo artesanal colocado na estrada. A explosão provocou mártires e feridos entre os nossos heróicos camaradas", lê-se num comunicado das Forças Armadas turcas citado pela Reuters. De acordo com a mesma agência de notícias, a explosão matou 16 soldados turcos.
Pouco depois, Ancara lançava um ataque com os seus caças F-4 e F-16 contra pelo menos 12 alvos controlados pelos combatentes do PKK.
Segundo a estação Al-Jazira, os separatistas descreveram o ataque contra os soldados turcos como "uma acção de sabotagem", e disseram que se apoderaram de "uma grande quantidade de armamento". Depois da explosão houve uma troca de tiros entre militares turcos e separatistas curdos, e já nesta segunda-feira as forças de Ancara enviaram forças especiais para a região montanhosa, através de helicópteros, e lançaram drones de reconhecimento que vão marcar alvos para ataques aéreos.
Acusações mútuas
Os dois lados acusam-se mutuamente de terem posto fim à trégua negociada em 2013 entre o Presidente turco e o histórico líder do PKK, Abdullah Öcalan, que está a cumprir uma pena de prisão perpétua na Turquia desde 1999.
O avanço dos extremistas do Estado Islâmico no Norte do Iraque e no Norte da Síria, ao longo da fronteira com a Turquia, tem sido travado, em grande medida, por milícias curdas. Através deste envolvimento, o PKK – e a sua versão na fronteira com a Síria, as YPG (Unidades de Defesa do Povo), milícias do PYD (Partido da União Democrática) – procurava também reanimar e cimentar a sua pretensão de criar um Estado curdo no interior da Turquia (ou, pelo menos, de reforçar a autonomia nessa região), algo que o Presidente Recep Tayyip Erdogan já deixou claro que pretende impedir "a qualquer preço".
O conflito armado entre o PKK e as autoridades turcas começou há três décadas, em 1984, e teve alguns períodos de menor intensidade, como o que se verificava desde 2013. Nestes 31 anos, os combates fizeram cerca de 45.000 mortos e 17.000 pessoas estão dadas como desaparecidas – desde o reinício dos combates, em Julho passado, terão sido mortos cerca de 70 elementos das forças de segurança turcas e dois milhares de combatentes curdos, segundo os números do Governo de Ancara.
Numa declaração ao país, no domingo à noite, o Presidente turco deixou claro que o combate aos separatistas curdos voltou e está para durar, declarando-se "cada vez mais determinado".
"A dor dos nossos elementos das forças de segurança que foram martirizados no ataque traiçoeiro da organização separatista terrorista queima-nos os corações", disse Erdogan, acreditando que "o povo turco vai unir-se e assumir uma posição decisiva" contra o que descreveu como ameaças à segurança nacional da Turquia.
A escalada do conflito entre as forças turcas e os separatistas curdos surge a poucas semanas das eleições antecipadas para o Parlamento, marcadas para 1 de Novembro, depois de o partido no poder não ter conseguido formar Governo após as eleições de Junho.
O Partido da Justiça e do Desenvolvimento, fundado por Erdogan, perdeu a maioria absoluta em Junho devido à entrada no Parlamento do partido secularista pró-curdo HDP (Partido Democrático do Povo). Num comunicado publicado na última semana de Agosto, este partido dizia que a recente ofensiva do Governo turco contra os combatentes curdos é "um plano para incendiar o país, para garantir um Governo de um só partido em eleições antecipadas, criando um clima militarista e nacionalista ao mesmo tempo que fomenta a impressão de estar a combater o terrorismo".
Apesar de os recentes ataques poderem pôr em causa a realização de eleições em segurança em algumas regiões da Turquia, o primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, garantiu no domingo que está fora de hipótese qualquer adiamento.