De olhos postos na alta qualidade

Hoje, circulam em Blu-ray muitos filmes com qualidade inferior a VHS

Naquele dia muita gente correu para o televisor, ansiosa. Ia ser transmitido o primeiro programa a cores, anunciara a RTP. Os que tinham placas plásticas tricolores à frente do aparelho tiraram-nas, para verem cor a sério (tais placas eram um êxito na época: transparentes, azuladas no topo, avermelhadas no meio e esverdeadas em baixo, criavam a ilusão de ver imagens a cores em televisores a preto-e-branco). Mas quanta desilusão! Tirando os que se especaram diante das montras das lojas de electrodomésticos, os outros viram as imagens sem alterações. Porquê? Porque não tinham aparelhos preparados para receber imagens coloridas. Isto sucedeu há 36 anos (no dia 5 de Setembro de 1979, com a transmissão dos Jogos Sem Fronteiras em directo da Praça de Touros de Cascais), mas só sete meses mais tarde a RTP, então o único emissor de televisão existente em Portugal, passou a emitir regularmente a cores. Foi em 7 de Março de 1980, já milhares de portugueses tinham mudado de aparelho.

Este ano, sem que ninguém o notasse, deu-se o fenómeno inverso. A RTP anunciou que ia ser o primeiro dos três canais portugueses a transmitir em formato 16:9. E cumpriu. Se repararem, SIC e TVI continuam a transmitir no formato antigo, em 4:3, e quem não gosta de ver imagens achatadas terá uma barra vertical negra de cada um dos lados da imagem no ecrã. O que foi diferente, desta vez? O facto de a quase totalidade dos portugueses já ter televisores preparados para receber o “novo” formato. Ninguém precisou de ir a correr trocar de aparelho.

Mas a disfunção entre aperfeiçoamento e tecnologias mantém-se. Por exemplo: estão a ser vendidos em Portugal, já há algum tempo, televisores planos ou curvos com uma resolução quatro vezes superior à actual Full HD (que tem 2K, ou 1920x1080p) e que, com a atractiva sigla de UHD (ultra alta definição), reproduzem em 4K (3840x2160p). Mas que “conteúdos” existem em 4K, teletransmitidos ou em disco? Praticamente nenhuns, exceptuando os de teste. Anuncia-se agora (veja-se o editorial da revista Audio & Cinema em Casa de Julho-Agosto) o início da edição de discos em 4K. Em Blu-ray, naturalmente. Quando? Não se sabe, mas não deve vir longe o dia. Entretanto, há casos bizarros: a Trilogia da Guerra de Rossellini foi restaurada (belissimamente, diga-se) em 4K, mas circula entre nós em DVD. Os dois filmes fulcrais de Paulo Rocha, Os Verdes Anos e Mudar de Vida, foram também excelentemente restaurados, estes em 2K, só que a edição nacional foi feita em DVD e não em Blu-ray. A imagem é muito boa, nos dois casos, mas assim não é possível tirar integral partido da alta resolução das restaurações.

Para baralhar mais os dados, convém dizer que no horizonte já se perfila o 8K, com 16 vezes mais píxeis (7680x4320p) do que os da actual alta definição. E se não existe ainda no mercado, já está a ser testada no Japão há vinte anos. A NHK iniciou testes em 1995 (em paralelo com os de um som surround de 22.2 canais, alternativo aos actuais 5.1, 7.1 ou 9.1) e a Sharp já apresentou um televisor 8K numa feira, em 2013. Por isso, o novo que aí vem corre o risco de já nascer demasiado velho. Seja como for, o importante é discernir onde acaba a verdadeira qualidade e começa o embuste. Hoje, circulam em Blu-ray muitos filmes com qualidade de imagem e som inferior à das velhinhas cassetes de vídeo VHS. A embalagem disfarça um conteúdo deplorável. Em contrapartida, há DVD (como os já citados de Rossellini ou Paulo Rocha) com imagem muito mais bem tratada do que os Blu-ray de duvidosa proveniência. Embora haja também DVD com imagem e som miseráveis. No torvelinho da procura da suprema qualidade vai-se perdendo, aqui e ali, seriedade e honestidade. Se vos servir de consolação, no entanto, fiquem com isto: para ser guardado em todo o seu esplendor, um filme de hora e meia em 4K e sem qualquer compressão precisaria, segundo o já citado editorial da revista Audio, de um disco com 5 ou 6 TB (terabytes, ou, “traduzido” para gigabytes, 5120 ou 6144 GB). Ora cada novo Blu-ray em 4K, dos novos que por aí virão, terá no máximo uns 66 ou 100 GB. Como se vê, mesmo na alta qualidade é tudo muito relativo.

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