Cláudio Torres recorda fuga “num barquito” para Marrocos

Arqueólogo contornou os temas eleitorais e focalizou-se na “criança que apareceu morta numa praia”.

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O arqueólogo Cláudio Torres, prémio Pessoa, que ao longo de três décadas tem desenvolvido um profundo e extenso trabalho de investigação sobre o passado histórico de Mértola no contexto mediterrânico, foi convidado para usar da palavra numa acção de campanha eleitoral realizada ontem à tarde na cidade de Beja pelo Bloco de Esquerda.

Todos esperavam uma intervenção de cunho político enquadrada no contexto actual, mas o mandatário distrital dos bloquistas, contornou os temas eleitorais e focalizou-se na “criança que apareceu morta numa praia”. Uma imagem tremenda, “ um drama que faz parte da nossa história e dos nossos Problemas” assinalou Cláudio Torres, fazendo um paralelismo com a sua experiência pessoal, de quando foi refugiado político no início dos anos 60 do século passado.

Para o arqueólogo o momento político actual é importante mas optou por uma causa que classifica de prioritária: “ O massacre de milhares de sírios” simbolizado na morte, de uma criança síria com três anos de idade, durante um naufrágio.

“Hoje temos milhares de pessoas com fome e em desespero às portas da Europa e nós fechamos-lhe as portas” realça com evidente exasperação atropelando as palavras e o fio condutor da sua intervenção.

Que fazer? Cláudio Torres assumiu fazer a parte que lhe cabe realizando um encontro em Mértola com representantes de vários centros de investigação de Marrocos e da Tunísia para “impedir o fundamentalismo barato e, ao mesmo tempo, abrir novos caminhos e novas formas de colaboração nos dois lados do Mediterrâneo, pois temos um passado comum”.

Um passado comum que lhe diz muito quando, em 1961, fugiu à polícia política do regime e à guerra colonial.

Depois de ter sido torturado e cumprido prisão por ser militante comunista, Cláudio Torres é apurado para todo o serviço militar e mobilizado para a guerra colonial.

Família e amigos juntam esforços para a fuga do militar que não queria combater em África. Sair de Portugal só era possível por mar e num barco a remos com cinco metros de comprimento e com parte do madeiramento já podre, que foi reparado à pressa, para levar sete pessoas rumo ao sul mas com destino indefinido.

Em meados de 1961 partiram de madrugada de Lisboa, pensaram que o fim tinha chegado quando contornaram o cabo Espichel, navegaram à vista da costa alentejana e algarvia e fizeram-se ao largo sem rumo certo.

“A minha mulher estava grávida de três meses” recorda o arqueólogo, perfeitamente consciente do drama que outras mulheres grávidas enfrentam quando hoje fazem o percurso inverso, para bater com a esperança nos muros e barreiras de uma Europa que foge da realidade.

Depois de várias peripécias e sustos constantes, navegando segundo as instruções de um manual da Mocidade Portuguesa chegaram a Tanger, seguindo depois para Rabat onde foram recebidos “por um povo amistoso que nos deu abrigo e nos alimentou durante vários meses, como irmãos”. Foi lá que nasceu a sua filha Nádia, com os meios e as condições que eram oferecidas às parturientes marroquinas. Não havia lugar para a diferenciação.

 

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