Só dez câmaras têm autorização do Governo para fazer 35 horas semanais

Depois de quase dois anos de bloqueio, os acordos colectivos assinados entre sindicatos, câmaras e Governo começaram a ser publicados em Maio, mas a um ritmo mais lento do que desejariam os sindicatos.

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Sindicatos aproveitaram o XXII Congresso da Associacao Nacional de Municipios Portugueses de Março para reivindicarem a publicação dos acordos das 35 horas de trabalho Rui Gaudêncio

Das 278 câmaras de Portugal continental, só em Sintra, Vila Pouca de Aguiar, Batalha, Vila Nova de Famalicão, Alcobaça, Figueira da Foz, Resende, Baião, Salvaterra de Magos e Arganil a semana de 35 horas tem enquadramento legal. Além destas, há cerca de uma dezena e meia de autarquias cujos ACEP já foram renegociados com o secretário de Estado da Administração Pública e que aguardam publicação, adiantou ao PÚBLICO José Abraão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap). Pelo meio há câmaras que praticam as 35 horas sem terem o respectivo a acordo publicado, enquanto noutras os trabalhadores fazem 40 horas semanais.

O problema arrasta-se desde Setembro de 2013, quando entrou em vigor o polémico diploma que aumentou o tempo de trabalho no Estado das 35 para as 40 horas. Na altura, sindicatos e organismos autárquicos negociaram centenas de ACEP, ao abrigo de uma outra lei, que prevê que representantes dos trabalhadores e serviços públicos (administração central, local e regional) podem acordar horários inferiores às 40 horas. Contrariando as expectativas, o Ministério das Finanças recusou-se a enviar esses acordos para publicação em Diário da República, com o argumento de que deveria ter participado nas negociações.

No início de 2014, e perante os protestos de autarcas e sindicatos, o Governo pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República sobre o assunto. A resposta coincidiu com a sua visão do problema, mas não foi logo divulgada pelo executivo. Quando o fez, o secretário de Estado da Administração Pública criou um conjunto de critérios a que deviam obedecer as autarquias para poderem reduzir o horário dos seus trabalhadores, nomeadamente, ter as suas contas em ordem, não aumentar as despesas com pessoal e ter adaptabilidade e bancos de horas. Em resultado disso, decidiu rever todos os ACEP subscritos entre Outubro de 2013 e Fevereiro de 2015, antes de os mandar publicar.

Segundo o Sintap e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) estão em causa centenas de acordos de câmaras, juntas de freguesia e outros organismos autárquicos.

Mais uma vez levantaram-se vozes contra este procedimento, o que culminou com o pedido de intervenção do Tribunal Constitucional e, nalguns casos, as autarquias e os sindicatos puseram o Ministério das Finanças em tribunal por este se recusar a publicar os acordos.

Ao contrário da polémica que se viveu no Continente, nas regiões autónomas o processo decorreu com normalidade e a maioria das câmaras manteve as 35 horas e tem os seus ACEP publicados. Das 11 câmaras da Madeira, dez têm acordos para a semana mais curta e nos Açores 16 dos 19 municípios estão na mesma situação. Somando as dez câmaras da região continental com as das ilhas, há 36 municípios que têm os seus horários semanais homologados pelo Governo.

A cor política das câmaras que já viram os acordos colectivos publicados é favorável ao Partido Socialista e às coligações de esquerda (18 câmaras), enquanto os partidos do Governo lideram 15. As restantes estão entregues a grupos de cidadãos.

Mas há outros organismos da administração local com as 35 horas já legalizadas: 32 juntas de freguesia, todas nas regiões autónomas, três serviços municipalizados (dois no Continente e um nos Açores) e uma associação de municípios. Ao todo estavam publicados, até meados de Agosto, 72 acordos colectivos.

Sindicatos com estratégias diferentes
Se nos Açores e na Madeira, os acordos negociados e publicados têm a assinatura de sindicatos da UGT e da CGTP, no Continente não é assim. Entre as dez câmaras, só em Baião o ACEP tem a assinatura de estruturas das duas centrais sindicais.

Francisco Brás, presidente do STAL (que pertence à CGTP), justifica este procedimento: “Recusamo-nos a assinar qualquer acordo com o Governo que preveja o banco de horas e a adaptabilidade e lamentamos que algumas autarquias e sindicatos se disponibilizem para isso”.

E garante que nos acordos assinados e já publicados nas regiões autónomas, e onde a estrutura foi parte activa, essas figuras não estão previstas. Nos Açores, o sindicato chegou a deduzir oposição para que os trabalhadores seus filiados não fossem abrangidos pelos acordos assinados com a UGT em quatro municípios que previam esses regimes de adaptabilidade. O resultado foi a perda de associados e daí em diante o STAL mudou de estratégia e deixou de se opor.

Na prática, todos os trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical, passam a beneficiar das 35 horas, mas também ficam abrangidos pelos regimes flexíveis de trabalho.

Do lado da UGT, o Sintap quer garantir que são assinados e formalizados o maior número possível de ACEP, que “permitam aos trabalhadores usufruir das 35 horas semanais”.

Confrontado com as críticas ao regime de banco de horas e de adaptabilidade, o dirigente José Abraão garante que “a maioria das câmaras se comprometeu” a não os utilizar.

A principal preocupação do Sintap é agora convencer o Governo de que as câmaras com dificuldades financeiras ou em reestruturação e que são abrangidas pelo Fundo de Apoio Municipal também devem ter a possibilidade de trabalhar 35 horas por semana.

Tribunal Constitucional analisa autonomia do poder local
A polémica em torno das 40 horas e da possibilidade de os sindicatos e as entidades empregadoras públicas acordarem horários semanais inferiores também chegou ao Tribunal Constitucional (TC), pela mão do provedor de Justiça, José de Faria Costa. O pedido de fiscalização sucessiva está nas mãos dos juízes desde Dezembro de 2014, mas, ao que o PÚBLICO apurou, ainda não há qualquer decisão, dado que o tribunal não tem prazo para se pronunciar.

A questão suscitada pelo provedor - a pedido dos sindicatos, de 16 municípios da área Metropolitana de Lisboa e da Associação Nacional de Freguesias - tem a ver com um artigo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (35/2014), que dá ao Ministério das Finanças poder para intervir nos contratos colectivos assinados nas autarquias. Estas disposições já estavam previstas em diplomas anteriores, sem que nunca tivessem sido postas em causa formalmente, e serviu de base a acordos celebrados em anos anteriores. Num contexto em que o Governo pretendia aplicar as 40 horas em toda a função pública e as autarquias e os sindicatos manter as 35, estes artigos serviram para o executivo impor a sua vontade.

Faria Costa pediu ao TC que avaliasse a constitucionalidade de duas alíneas do artigo 364.º. A primeira é a que estabelece que têm legitimidade para celebrar acordos colectivos pelo lado do empregador público “os membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública, o que superintenda no órgão ou serviço e o empregador público”. A segunda prevê que os acordos colectivos são assinados pelos sindicatos e pelos membros do Governo e representantes do empregador público.

O provedor entende que estes artigos violam a autonomia do poder local e aniquilam os contratos colectivos celebrados entre autarquias e sindicatos.

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