Mudança de tom, dir-se-ia com benevolência, visto que o tínhamos deixado com o muito decepcionante Os Bem Amados, um melodrama falho de força e imaginação que tentava fazer a quadratura do círculo, isto é, conciliar uma aura romanesca de apelo popular e um espírito "autorista" capaz de integrar algumas memórias clássicas/modernas do cinema francês, nomeadamente a nouvelle vague (e sobretudo Demy, que Honoré já glosou várias vezes).
decepciona ainda mais, e dá a ideia de que pouco diferencia hoje Honoré de um cineasta como François Ozon, a saltitar entre filmes que não transportam nada de um estilo pessoal – “proteiformes”, como lhes chamava com ainda mais benevolência um crítico francês – e têm o seu fundamento na ilustração de um tema ou de um gesto, tomados, em qualquer
caso, como o “rasgo” que justifica o filme. Aqui, portanto, Ovídio, transposto para a França contemporâneo, entre os subúrbios (de onde emerge Europa, aqui estudante liceal) e uma ruralidade mais ou menos idílica. Como o poema, o filme de Honoré “metamorfoseia-se” constantemente, entre as muitas histórias em que se multiplica – é curiosamente uma operação que não deixa de ter pontos de contacto, práticos e conceptuais, com as Mil e Uma Noites de Miguel Gomes, a estrear ainda este mês. Ou com as Mil e Uma Noites de Pasolini – que não terão deixado, estas sim, de estar na cabeça de Honoré quando pensou o seu filme, nem esse título especificamente nem as outras adaptações pasolinianas de textos clássicos. Mas falta-lhe tudo: nem a “selvajaria” de Pasolini, nem a sua liberdade (o seu gozo, em todos os sentidos do termo, inclusive o mais sexual), substituídos por uma narração que apenas as pode tentar emular ou evocar, com resultados frequentemente desconcertantes por desembocarem num ridículo onde a única dúvida é saber se era realmente pretendido ou apenas acidental. Pensamos também, pelo tratamento da mitologia num contexto naturalista e pela presença da natureza propriamente dita (bosques, rios, animais), na graça e na desfaçatez de um cineasta como Jean Renoir, o outro pólo em torno do qual o filme parece circular. Mas trazer Renoir para aqui é ainda pior, ao pé dele as Metamorfoses de Honoré são apenas um "bricolage" plastificado, a exibição de uma autoconsciência incapaz de se superar, uma provocação inapelavelmente murcha.