Amnistia Internacional e prostituição
A raiz dos direitos fundamentais é a dignidade humana e que esta exige que a pessoa nunca seja tratada como objeto, mas sempre como sujeito.
Esta postura esquece, porém, que a raiz dos direitos fundamentais é a dignidade humana e que esta exige que a pessoa nunca seja tratada como objeto, mas sempre como sujeito. Da mesma forma que a escravatura nunca pode justificar-se, mesmo que consentida, porque contrária à dignidade da pessoa, assim também a prostituição como forma de instrumentalização da pessoa, reduzida a objeto de comércio (porque a pessoa é um corpo, não tem um corpo, este não é um seu acessório). E da mesma forma que o eventual consentimento na escravatura não será autenticamente livre, mas condicionado por situação existenciais de extrema precariedade e pobreza (a escravatura até poderá ser consentida, se for condição de sobrevivência), assim também, como regra (poderá haver exceções, mas não é nelas que deve basear-se o legislador), o consentimento na prostituição é também condicionado por situações existenciais de extrema precariedade e pobreza.
O documento em que se baseou a tomada de posição da Amnistia Internacional alega que a prostituição será uma forma de permitir a expressão sexual de pessoas com deficiência. Como se a aspiração das pessoas com deficiência não fosse a de uma sexualidade humanizada, integrada numa comunhão de afetos e doação interpessoal a que a prostituição é totalmente alheia. Uma argumentação certamente ofensiva para com as pessoas com deficiência e para com as pessoas que se prostituem (que também aspiram a uma sexualidade humanizada, como todas as pessoas).
Contra esta tomada de posição da Amnistia Internacional, manifestou-se um agrupamento de associações de várias tendências, unidas pelo objetivo de combate à prostituição encarada, esta sim, como violação dos direitos humanos: Coalition against trafficking on women. A esta carta aderiram celebridades do cinema como Meryl Streep, Anne Hathaway, Emily Blunt e Kate Winslet.
Esta carta sublinha os efeitos nocivos da legalização da prostituição na Alemanha (a partir de 2002) e na Holanda (a partir de 2000).
Cita documentos do próprio governo alemão que reconhecem que o objetivo de tutela dos direitos laborais e de segurança social das mulheres prostitutas ficou muito longe de ser atingido. Um número insignificante dessas mulheres celebrou contratos de trabalho. Uma explicação plausível para tal reside no facto de quase sempre as mulheres encararem o exercício da prostituição como fase transitória, a ocultar no presente e no futuro, não certamente como parte integrante do seu curriculum vitae.
A legalização contribuiu para o crescimento exponencial da prostituição na Alemanha (que alguns já designam por “bordel da Europa”), com o consequente aumento dos lucros dos proxenetas (respeitosamente designados por “empresários da indústria do sexo”). Como “mão-de-obra” disponível, são recrutadas as mulheres dos países mais pobres da Europa de Leste. O tráfico de pessoas também se intensificou grandemente (aproveitando as dificuldades da prova do tráfico no confronto com a simples exploração da prostituição, esta coberta legalmente). Pelo contrário, na Suécia, apesar de alguma prostituição clandestina se manter, esta tem uma dimensão reduzida, sendo também muito menores as vítimas de tráfico.
As consequências do exercício da prostituição no plano da saúde mental das mulheres prostituídas não se atenuam com a legalização, antes se intensificam, devido ao crescimento exponencial da atividade. Por esse motivo, também na Alemanha, um grupo de especialistas apresentou, no ano passado, uma petição de revogação dessa legalização, alegando que não basta a “redução do dano”, há que visar a “eliminação do dano”. Na verdade, não há uma prostituição “maligna” e uma prostituição “benigna”. A violência (psíquica e muitas vezes física) é-lhe intrínseca.
No plano pedagógico, da mensagem cultural inerente a qualquer lei, a legalização contribui para a indiferença perante os dramas das mulheres prostituídas (que seriam fruto de uma opção autenticamente livre), quando no modelo sueco se alerta para a exploração de que são necessariamente vítimas.
Esta tomada de posição contrasta — assinala com razão a Coalition against trafficking on women — com a histórica função da Amnistia Internacional de combate global pelos direitos humanos.
Juiz