PSP já localizou mãe dos gémeos abandonados no hospital de Vila Real
Mãe de recém-nascidos deixou-os em unidade de saúde de Vila Real um dia após o parto. Na manhã desta quarta-feira, a PSP conseguiu localizá-la em Chaves. A mulher foi transportada à comissão de protecção de Chaves, onde foi ouvida.
No domingo, o hospital de Vila Real comunicara à PSP que uma mulher, de 38 anos, com problemas de toxicodependência desaparecera por volta da hora do almoço do hospital após o parto de gémeos e sem ter alta hospitalar. O corpo clínico estava preocupado com a saúde da senhora, já que a mesma tinha perdido muito sangue durante o parto. "A PSP comunicou a ocorrência ao tribunal e à comissão de protecção de crianças e jovens", adianta Paulo Flor.
Foi a comissão de protecção que pediu à PSP para localizar a senhora, já que necessitava de a ouvir com urgência. "A PSP de Chaves localizou hoje [quarta-feira] às 10h30 a senhora e transportou-a de forma voluntária à comissão, para ser ouvida", acrescentou Paulo Flor.
O PÚBLICO tentou contactar sem sucesso a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Chaves para onde o caso foi reencaminhado. Já o presidente da CPCJ de Vila Real, João Fontes, sublinhou que as “crianças estão bem” e que os vários serviços estão "articulados" na procura de uma solução para o caso. “Estão no hospital, estão estabilizadas”, precisou, escusando-se a adiantar mais pormenores. O centro hospitalar já tinha esclarecido que se encontram entregues "desde o nascimento" ao seu cuidado. Mostram-se "clinicamente estáveis" e receberam os cuidados médicos "adequados à respectiva situação clínica".
O Ministério Público adiantou apenas, por email, que tomou conhecimento da situação e iniciou, já na terça-feira, as "diligências adequadas" à protecção dos recém-nascidos deixados pela mãe no serviço de neonatologia do hospital. Acrescentou que está também a trabalhar no sentido de obter “os elementos necessários à instauração dos competentes processos no âmbito do Tribunal de Família e Menores e, eventualmente, no âmbito criminal”. Questionada novamente pelo PÚBLICO, a Procuradoria-Geral da República adiantou que "estão a ser recolhidos os elementos necessários à identificação e adopção da medida de protecção que concretamente se mostre adequada", sem especificar qual.
A mãe de 38 anos, que vive em Chaves, saiu do serviço de obstetrícia no dia a seguir ao parto, “sem dar qualquer informação sobre o motivo de saída ou intenção de procedimento futuro”, revelou o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, a que pertence a unidade de Vila Real.
Desaparecida desde a hora do almoço de domingo, a mulher - que, segundo o Jornal de Notícias, tem uma filha de 12 anos a viver com os avós num apartamento em Chaves - entrou no hospital de Vila Real na tarde de sábado em trabalho de parto, o qual se prolongou pela madrugada.
Já na terça-feira, sem se referir especificamente a esta situação, o responsável do hospital de Vila Real adiantou que em casos como este o hospital assume o poder parental dos menores, que ficam temporariamente à sua guarda.
Quanto à questão criminal, o Ministério Público esclarece "não ser ainda possível proceder a qualquer enquadramento criminal da situação, nomeadamente no âmbito do crime de exposição ou abandono, previsto no art. 138.º do Código Penal".
Esse crime pressupõe que o abandono coloque a vida do menor em risco, o que não ocorreu neste caso. Já seria crime os pais deixarem uma criança pequena sozinha em casa ou num local onde a mesma corresse perigo.
Ouvida pelo PÚBLICO, uma especialista em direito de menores que pediu para não ser identificada defende que neste caso não haverá crime, uma vez que a mulher "abandonou os filhos num hospital, não colocando a sua vida em risco". Para se estar perante o crime de exposição ao perigo ou abandono é necessário que a vítima, neste caso o menor, seja deixada num local onde fique em risco, explicou.
Agora, é preciso perceber se a mãe rejeitou mesmo os filhos ou se sofreu de uma depressão pós-parto. Se se concluir que foi mesmo uma rejeição e que nem ela nem outros membros da família têm condições para ficar com as crianças, os gémeos devem ser encaminhadas rapidamente para adopção, defende.
Quase 600 processos por abandono no ano passado
O número de “crianças abandonadas ou entregues a si próprias” nos últimos anos, em Portugal, tem sofrido oscilações. No ano passado, as mais de 300 CPCJ do país lidaram com 1456 denúncias. Só processos novos, abertos ao longo do ano, foram 585 — os restantes transitaram de anos anteriores ou dizem respeito a processos de crianças que já tinham sido encerrados e foram reabertos.
Isto significa, ainda assim, uma redução, face a 2013, muito significativa — em 2013 tinham sido abertos 1150 processos novos relacionados com comunicações de abandono. E o regresso a valores idênticos aos de 2012, quando foram instaurados 580.
A categoria “crianças abandonadas ou entregues a si próprias”, que consta do relatório anual de avaliação da actividade das CPCJ, engloba várias situações: desde casos em que as crianças ficam temporariamente sozinhas em casa, até ao abandono permanente. Não estão disponíveis dados que desagreguem por idade as vítimas de abandono. Ou que discriminem o tipo de situação em causa.
As CPCJ são entidades oficiais não judiciárias, baseadas numa lógica de parceria local. Integram necessariamente representantes do município e da Segurança Social e incluem ainda elementos do Ministério da Educação, instituições particulares de solidariedade, serviços de saúde, etc. Só actuam com consentimento da família (mais ou menos alargada) da criança.
Para promover os direitos da criança e do jovem e pôr termo a situações susceptíveis de afectarem a sua segurança e bem estar, as CPCJ podem propor medidas em meio natural de vida (como o apoio junto psicológico ou financeiro dos pais da criança) e medidas de colocação (acolhimento da criança numa instituição, por exemplo). Estas medidas implicam a assinatura de um acordo de promoção e protecção por parte de todos intervenientes na medida (CPCJ, pais, outros familiares, etc....)
Nem todas as situações de perigo comunicadas às CPCJ dão, contudo, origem à aplicação de medidas de promoção e protecção. Em 2014, das cerca de 73.800 situações de perigo comunicadas, 37.889 fundamentaram a aplicação de medida de promoção e protecção — das quais, 1031 casos de abandono. As restantes foram arquivados por não terem fundamento, ou então passaram para a alçada dos tribunais — por falta de consentimento para a actuação da CPCJ por parte das famílias ou das crianças, ou por incumprimento reiterado das medidas acordadas, por exemplo.
Nos casos em que os pais abandonam permanentemente as crianças, cabe ao Ministério Público garantir que “as crianças e jovens até aos 15 anos possam ter uma nova família, com novos pais”. Com Andreia Sanches