A floresta e os ursos: uma bênção amaldiçoada?
Temos uma Estratégia Nacional para a Floresta, mas não temos recursos para a implementar.
Nesta altura do ano, floresta e incêndios soam ao mesmo, mas o problema não são os incêndios, é a natureza do território. Fomos abençoados com uma das maiores produtividades primárias da Europa. Se abandonarmos o terreno, cresce mato e arvoredo com vigor. Esta é também a maldição que nos prende a um ciclo vicioso.
De 2006 a 2013, aplicaram-se 1000 milhões de euros em políticas públicas do setor florestal. Foram 560 milhões de euros de Orçamento de Estado e 460 milhões de euros de Fundos Comunitários, Fundo Florestal Permanente e Fundo de Carbono. Sem surpresa, 75% da verba relaciona-se com incêndios, 17% com investimento florestal e 8% com pagamentos aos produtores por serviços públicos, como a conservação da biodiversidade, proteção de solos e água e balanço de carbono. Estes serviços são uma bênção de 220 milhões de euros/ano, mas os produtores são remunerados em apenas 10 milhões de euros.
Este foco das políticas públicas nos incêndios é o urso na sala, todos o veem, o temem e, mesmo assim, o menorizam. A gestão florestal sofre de problemas crónicos que transformam o potencial produtivo dos ecossistemas em fileiras que não internalizam o valor dos serviços e bens públicos, o que daria à nossa economia um contributo assinalável. Consequência: o investimento na floresta estagna.
Vejamos, entre 2000 e 2013, a relação do investimento entre indústria florestal e floresta foi de 1 para 5. Foram investidos 2,4 mil milhões de euros na indústria (pasta de papel: 1,2 mil milhões de euros; madeira e mobiliário: 780 milhões de euros; cortiça: 525 milhões de euros) e 450 milhões de euros em plantações florestais. Há um desajustamento entre o esforço de modernização industrial e a gestão produtiva da floresta. Não vemos os ursos, pero que los hay…
Tais sinais económicos desmotivam o ajuste do modelo de gestão, afetam a mobilização dos agentes e a capacidade coletiva para transformar produtividade primária em vantagem económica. E quando o urso ruge, glorificamos o sistema no combate. Deixamos de questionar os 80 milhões de euros anuais alocados ao dispositivo de Defesa da Floresta Contra Incêndios e agrava-se a resposta pública de sempre. Depois de darmos esteróides ao urso, não poupamos recursos para o imobilizar. O sistema funciona. Faz-se a avaliação da área ardida e aguarda-se que a besta volte a hibernar.
O fumo da nossa inconsequência turva o futuro. A pressão sobre os solos aumenta, a necessidade de produzir alimentos e outros bens coloca-nos perante escolhas no uso e afetação dos recursos. Estão em contração as políticas europeias de apoio à agricultura e ao desenvolvimento rural. A Europa não tem uma visão para a sua floresta.
Lamentavelmente, nos também não. Temos uma Estratégia Nacional para a Floresta, mas não temos recursos para a implementar. Já que insistimos em não adaptar as estratégias à realidade, devemos definir claramente prioridades: usar a produtividade florestal a nosso favor, incentivar a gestão integrada e construir a partir daí uma economia sustentável. É preciso liderança com visão e maior racionalidade nas estruturas associativas de intermediação.
Estamos longe de consolidar um programa de fundos públicos de apoio ao investimento florestal, tanto ao nível da produção como na valoração dos serviços silvo-ambientais. É curto o que está disponível nos fundos comunitários e acrescem riscos de se virem a retirar mais verbas da floresta. Precisamos de modelos económicos que integrem incentivos dos programas europeus, bem como das linhas disponíveis quer no BEI como no Horizonte 2020.
É preciso insistir na reforma do sistema fiscal, torná-lo mais justo face ao longo período de retorno que está associado ao investimento na floresta. Precisamos de um quadro regulamentar estável, não perdendo o sentido da sistematização e unicidade legislativa, que devolva a confiança a quem investe e a quem gere. A revisão do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndio traz a oportunidade de incluir uma avaliação racional de custo-benefício, que de forma integrada priorize metas e objetivos e identifique e programe a natureza dos investimentos necessários para a boa execução do plano.
Quanto ao enigma: o urso é branco, só no polo norte pode existir uma sala circular com todas as janelas viradas a sul. Em Portugal, o urso pode ser da cor que se quiser, basta reconhecer que ele existe.
Deputado (PS) relator do Grupo de Trabalho da Assembleia da República sobre “Análise da Problemática dos Incêndios Florestais”