Jon Stewart despede-se: “A melhor forma de defesa contra as tretas é a vigilância”

Mentira e má informação foram os alvos finais do apresentador do Daily Show. Bruce Springsteen, Steve Carrell e Stephen Colbert, Hillary e McCain, além de Scorsese na despedida.

Antes do último programa, centenas de fãs esperaram à porta
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Antes do último programa, centenas de fãs esperaram à porta AFP
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Jon Stewart à saída do programa AFP
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A fila para assistir ao programa começou muitas horas antes Reuters
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A fila para assistir ao programa começou muitas horas antes AFP
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O bilhete para o último programa de Jon Stewart Reuters

Foi o conselheiro político democrata Bill Curry a fazer notar na revista online Salon o papel que os dois homens de Nova Jérsia tiveram no grande palco das audiências na conversa sobre a política e a vida americana nos anos 2000, equiparando-os ao que fizeram há décadas Bob Dylan, Marvin Gaye ou Nina Simone. E foi agora Jon Stewart que deixou um apelo a que a vigilância sobre a má informação continue. 

Eram os minutos finais de uma emissão especial de cerca de 50 minutos. “As tretas estão em todo o lado”, disse Stewart usando o calão em inglês “bullshit”. Com um sorriso, atacou o Patriot Act e outras políticas que cerceiam as liberdades cívicas, os bancos, a bolha imobiliária e as suas consequências para as pensões dos norte-americanos, “e finalmente, a treta das possibilidades infinitas” - os inquéritos, investigações demoradas que só servem para protelar medidas para solucionar problemas de grande escala. “As boas notícias”, anunciou, são que os fabricantes dessas tretas “se tornaram bastante preguiçosos”. E deixa um conselho: “a melhor forma de defesa contra as tretas é a vigilância. Por isso se vos cheirar a algo, digam algo”, pediu, evocando a frase usada para envolver o público na prevenção contra terrorismo nos espaços públicos dos EUA. 

A pedido de Stewart, Springsteen e a E Street Band tocaram então Land of Hope and Dreams

O fim de uma curta era
Jon Stewart quer ir-se embora - “Nada acaba”, esta saída “é só uma pausa na conversa”, e em vez de “dizer adeus ou boa noite, vou só dizer ‘vou beber um copo’” - mas não quer deixar o posto sem vigia. E o seu papel como incubadora de talentos que trabalharam com ou nasceram no Daily Show foi um dos ingredientes principais do programa que quinta-feira à noite foi transmitido na Comedy Central nos EUA e que diz 13 chega à SIC Radical. 

O apresentador ainda ameaçou ocupar os 50 minutos do programa de despedida com a cobertura do debate entre os candidatos a candidatos republicanos às presidenciais dos EUA de 2016, que terminara pouco antes da emissão do Daily Show. Isto “apesar de ser a nossa última noite no ar”. Perante o som de lamento da audiência no estúdio, Stewart lembrou, como tem feito desde os elogios galvanizadores que recebeu após o anúncio da sua saída, “contudo ainda assim todos continuamos vivos”. E começaram a surgir os seus antigos “correspondentes” ou comentadores. 

John Oliver, Louis Black, Ed Helms, Aasif Mandvi, Kristen Schaal, Samantha Bee, Steve Carrell ou Wyatt Cenac (e até mesmo Darth Vader), o seu congénere egípcio Bassem Youssef, o seu antecessor Craig Kilborn e o seu sucessor Trevor Noah - que foi literalmente tirar as medidas ao posto que ocupará no final de Setembro - estiveram no estúdio para rápidas despedidas ou piadas. 

Num segmento em vídeo, Hillary Clinton - “que seca que se vá embora justamente” quando ela está na corrida à presidência -, Bill O’Reilly - “seu desistente” - ou John McCain despediram-se de Stewart e a sua equipa - “So long, jackass”, atirou o senador republicano. Martin Scorsese aparece brevemente num outro clipe de viagem aos bastidores do programa cujo estilo de filmagem emulava Tudo bons rapazes.

Foi, contudo, Stephen Colbert, o seu spin off de um conservador superlativo que viria a ter o Colbert Report também na Comedy Central, que saiu do guião. “Foste irritantemente bom no teu trabalho. Todos os que tiveram a sorte de trabalhar contigo durante 16 anos são melhores nos seus trabalhos porque pudemos ver-te fazer o teu”.

“Em nome de tantas pessoas cujas vidas mudaste em tantos anos, obrigado”, rematou um Stephen Colbert entusiástico perante um Jon Stewart de olhos por vezes pregados na secretária, emocionado e surpreendido pelo curto tributo de um dos homens cuja carreira lançou. Em 2010, Colbert disse à revista New York que nunca pensou nem se interessou pelo humor político - até Jon Stewart lhe mostrar “como fazê-lo de forma inteligente”. Colbert é o próximo grande nome do late night americano, dentro de um mês ocupando a reverenciada cadeira de David Letterman na CBS. 

Com críticas positivas à escolha de pôr o foco na sua equipa - e também num certo legado - no seu último programa e não numa espécie de best-of, a última emissão de uma curta mas definidora era dos media actuais tocou as notas da carreira. A política, o jornalismo (entre os participantes do segmento de vídeo há também Wolf Blitzer, da CNN, e outros pivots televisivos) e o mundo empresarial, mas também a piada sobre coisas mais ou menos sérias. O boneco tipo Marreta que lamenta que Guantánamo esteja ainda aberta, o presidente da casa de fast-food Arby’s, alvo de chacota do Daily Show a endereçar algumas palavras ao seu apresentador. Segundo a Variety, há momentos de maior emoção de Stewart, suspirando audivelmente depois do abraço de grupo com os seus antigos colegas, que não chegaram a ir para o ar. 

A última semana, cujas entrevistas se preencheram com nomes da comédia americana como Amy Schumer ou Louis C.K., permitiu a Stewart dar algumas entrevistas ou falar mais da sua saída, ou no podcast do Daily Show ou em conversa com o amigo e presença frequente no programa Denis Leary. “Quando fazes algo que sabes que nunca farás melhor do que isso, tens de o aceitar”, disse sobre reconhecer e estar pacificado com o facto de ter provavelmente feito já o melhor trabalho na sua vida. Tinha uma audiência residual no grande cenário - apenas uma média de 1% da população americana vê na TV o Daily Show -, mas foi uma influência de peso. No final Stewart pediu desculpa por ter “açambarcado” a conversa, que quer que continue, sobre a cultura democrática.

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