Porquê a insistência num sistema binário de ensino superior?

Espero que o próximo governo consiga ver e fazer para lá do corporativismo pacóvio e bafiento que tudo bloqueia e tudo entrava.

No entanto, ao longo de todo o percurso deste sistema bipartido houve pressões para uma aproximação do subsistema politécnico ao universitário. O termo “ensino médio” foi abandonado com a criação em 1980 da Rede do Ensino Superior Politécnico. Apesar de inicialmente os politécnicos apenas poderem atribuir o grau de bacharel, foram posteriormente criados Cursos de Estudos Superiores Especializados de dois anos complementares ao bacharelato, com equivalência a licenciatura. A partir de 1997 os politécnicos foram autorizados a ministrar licenciaturas bi-etápicas, de 3 + 2 anos. Com a reforma de Bolonha o sistema de graus académicos foi uniformizado e os politécnicos passaram a atribuir o grau de mestre. Entretanto era revisto o estatuto da carreira docente e o grau de doutor passou a ser obrigatório para entrar na carreira politécnica.

Dada a exigência imposta pela legislação quanto ao nível de formação académica dos docentes, prevê-se que o subsistema politécnico se continue naturalmente a aproximar do universitário. Apesar de não poderem atribuir o grau de doutor, há politécnicos com níveis de produção científica superiores a algumas instituições universitárias públicas e a muitas privadas. Devido a esta restrição legal, existem parcerias entre politécnicos Portugueses e universidades de Espanha (onde não existe sistema binário) para colaboração conjunta em programas de doutoramento. Por tudo isto não é de estranhar que cada vez mais, surjam movimentos de contestação à manutenção do sistema binário, já que o país está a manter de forma artificial dois subsistemas com competências e capacidades cada vez mais semelhantes. Mesmo entre os que são a favor da manutenção de um sistema binário de formações, surgem propostas (por exemplo o relatório elaborado em 2013 pela European University Association) no sentido da aproximação institucional entre os dois subsistemas, permitindo a criação de sinergias e complementaridades em vez da manutenção das barreiras atuais. Perante todos estes fatos e passados mais de quarenta anos sobre a concepção do actual sistema, porquê então mantê-lo?

Esta questão é respondida de forma muito clara no artigo publicado neste jornal sob o título “O sistema dual do ensino superior posto em causa” no passado dia 29 de Julho. Nele o autor condena a “campanha orquestrada” pelos 3 maiores politécnicos para pôr em causa o sistema dual (binário). Face a tamanha ousadia diz o autor que a “a instituição universitária deve continuar a assumir, sem quaisquer tréguas, o papel de guardiã esforçada dos portões de um saber universal” e pede “a vigilância constante e atenta da corporação universitária” contra os que têm o atrevimento de tentar mudar o sistema tal como ele existe. Mais à frente e sem rodeios, espera que “o próximo governo atribua à universidade o que é da universidade e ao politécnico o que é do politécnico, não permitindo, consequentemente, qualquer tipo de ceifa do politécnico em seara universitária”. Apesar de não ter sido escrito por nenhum responsável político nem por nenhum dirigente de uma instituição de ensino superior, o artigo é altamente esclarecedor quanto às razões que fazem com que o sistema não mexa e não mude. Ou seja, a resposta à questão colocada no título deste texto é muito simples: corporativismo, puro e duro! De ambos os lados, diga-se de passagem, pois são muitos os responsáveis do subsistema politécnico que aplaudem de pé o discurso do “aprofundamento do sistema binário”, cada um tentando salvaguardar o seu quintal da “ameaça” universitária.

Ao contrário do autor do artigo em apreço, espero que o próximo governo consiga ver e fazer para lá do corporativismo pacóvio e bafiento que tudo bloqueia e tudo entrava, pois a situação a que chegámos actualmente não faz qualquer sentido e não tem qualquer sustentabilidade.

Docente do ensino superior politécnico

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