Citemor, um festival sob o signo da urgência e da precariedade

Com uma programação reduzida, a 37ª. edição do Citemor decorre entre esta quinta-feira e sábado em Montemor-o-Velho, numa situação de absoluta precariedade. Até ao Outono realizar-se-ão auscultações para decidir sobre a sua eventual continuidade.

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The Horn of Plenty Dress, de Tania Arias Matsu Estudio/Anto Lioveras
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Colecção de Amantes, de Raquel André Raquel André
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Pasolini Is Me, de Albano Jerónimo Bruno Simão

Love Exposure: Yoko’s Corinthians 13 Speech. Beethoven – Symphony no 7, a obra em questão, continua em digressão internacional, provando ter uma vida muito além do que o curto período de criação (estreada ao fim de uma semana) poderia deixar adivinhar.

Em 2009, a mediática autora catalã tinha já inventado Te Haré Invencible con mi Derrota numa residência artística proporcionada pelo Citemor. Mas na altura dispusera de três a quadro semanas de trabalho. A comparação entre os dois momentos é sintomática para Armando Valente. Sem apoios estruturais nos últimos três anos, o Citemor sobrevive num contexto cada vez mais difícil. “Mesmo nestas condições de precariedade absoluta”, acrescenta, “continuamos. Os criadores contribuem imenso. Se não fossem eles, já teríamos possivelmente parado”, declara ao PÚBLICO.

Essa contribuição a que se refere no caso de Liddell é um dos alicerces do evento, extensível ainda ao conjunto de criadores com relações antigas com o festival (Joana Craveiro, John Romão, Tania Arias, Elena Córdoba e Francisco Camacho), que se disponibilizam a garantir a realização entre esta quinta-feira e sábado da 37ª edição do Citemor. A estes, junta-se a estreante no festival Raquel André e a palestra de abertura em que a jornalista Cláudia Galhós disserta sobre a história e a importância do evento de artes performativas.

“Esta é uma edição de sobrevivência”, admite Armando Valente, “mas as últimas também já o eram, e aconteceram em circunstâncias limite. Chamámos então a atenção para o facto de o projecto viver um dos momentos mais críticos da sua história.” Perante a hipótese muito real de suspender o Citemor, a magérrima equipa que o mantém vivo sentiu que não podia tomar essa decisão sem auscultar a comunidade artística, uma vez que há muito entendem que o festival se assume como “uma construção participada”.

Antes sequer de essa auscultação terminar, detectaram “indicadores suficientes” de que não deviam parar. No entanto, esta 37ª edição não põe termo a esse período de recolha de opiniões sobre a vida futura do Citemor, continuando até ao Outono a buscar “alternativas que permitam poder realizar o festival em 2016”, uma vez que as circunstâncias difíceis se mantêm inalteradas. “Não há mesmo uma conclusão se depois disto vamos ou não continuar.”

48 horas

Com uma programação progressivamente mais definhada em número de espectáculos – este ano são apresentadas cinco obras em várias fases de produção, quando em 2012 eram 14 – e um público igualmente em número decrescente – “começaram por nos matar o público à fome”, cita Valente, salientando que o investimento na deslocação a Montemor é um factor que condiciona fortemente em tempos de crise –, a precariedade toma também conta das condições que o Citemor pode hoje oferecer aos artistas, nomeadamente nos tempos de preparação.

Num dos encontros para debater os termos em que o festival pode continuar, o Teatro Pradillo, de Madrid, colocou uma pergunta-provocação: “Vocês não podem oferecer uma residência de dois meses a um colectivo numeroso, como já fizeram, não podem oferecer sequer duas semanas para criação, mas faz sentido desafiar artistas para criar algo em 48 horas?”

A resposta será dada esta sexta-feira pelo encontro entre Elena Córdoba e Francisco Camacho, através de Uma Ficção na Borda do Mapa. Há quatro semanas a trocar ideias e com férias em família pelo meio, os dois só esta quarta se encontraram pela primeira vez, em Montemor, a fim de montarem o espectáculo. É uma forma de colocar em prática um dos resultados da auscultação e que coloca o Citemor perante “o desafio de descobrir outros limites” que Armando Valente julgava já terem sido atingidos. Mas é um sinal da insistência na vocação produtora, mesmo que isso seja feito com recursos mínimos.

“Não se está apenas a falar de um festival que apresenta um conjunto de espectáculos em difusão”, sublinha Armando Valente. “Este é um dos nossos contributos mais importantes, para a edificação de um reportório contemporâneo – e que não é muito valorizado. Devia haver um entendimento de que as obras que estamos hoje a produzir são também um legado”.

Foi a convite do Citemor, por exemplo, que o dramaturgo hispano-argentino Rodrigo García (actualmente director do Centro Dramático Nacional de Montpellier e uma das figuras mais relevantes do teatro europeu) criou em 2003 A História de Ronald, o Palhaço da McDonald’s, peça emblemática do seu período de furiosa crítica ao capitalismo.

Foi também em Montemor-o-Velho que Joana Craveiro e o Teatro do Vestido apresentaram em antestreia uma primeira versão do Museu Vivo de Memórias Pequenas e Esquecidas, que foi um dos espectáculos do ano de 2014. O Teatro do Vestido regressa agora com uma obra em construção, Bairro das Ex-Colónias, programado para sábado, na mesma data em que Raquel André mostrará a sua Colecção de Amantes (estreia em Setembro no Teatro Nacional D. Maria II), e em que o Colectivo 84 de John Romão apresenta o recital/performance Pasolini Is Me.

Esta sexta-feira, a par da estreia de Elena Córdoba e Francisco Camacho, Tania Arias deixa espreitar um The Horn of Plenty Dress igualmente em fase de trabalho. “As criações também informam esta urgência e esta precariedade”, comenta Armando Valente. “Cada um deles tem uma proposta artística consistente e coerente, mas há também um lado político de estar aqui presente num momento destes.”

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