Ainda não está concluído o relatório do grupo criado pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) para rever os critérios da dádiva de sangue por homo e bissexuais, mas o texto final foi genericamente aprovado na semana passada e a versão definitiva deverá ser redigida nos próximos dias, apurou o PÚBLICO.
O relatório será depois enviado ao ministro da Saúde, que poderá ou não aceitar as recomendações e alterar a política que hoje proíbe a dádiva de sangue por “homens que têm sexo com homens” – designação que inclui homo e bissexuais.
Não é conhecido o teor do texto aprovado pelos sete membros do grupo de trabalho, mas num debate promovido a 23 de Junho pela Ordem dos Médicos, em Lisboa, o presidente do conselho directivo do IPST já tinha desvendado o sentido das recomendações.
“Portugal vai com certeza mudar, assim que tivermos os resultados do grupo de trabalho”, revelou Hélder Trindade, referindo-se ao período durante o qual um homossexual ou um bissexual pode ser impedido de dar sangue. “Se vai ficar cinco anos, um ano, seis meses, isso não sei dizer, depende do grupo”, acrescentou. Desde 2011 o Reino Unido autoriza homo e bissexuais a dar sangue desde que estejam pelo menos 12 meses sem praticar sexo anal, com ou sem preservativo.
No debate da Ordem dos Médicos, Hélder Trindade admitiu ter “medo de mexer” nos actuais critérios porque isso “vai alterar os valores do risco residual”, ou seja, o risco de colheita de sangue infectado mesmo depois de todos os procedimentos e triagens. “Se mexermos, porque vamos mexer, vamos aumentar o risco residual e teremos de pôr barreiras muito anteriores”, revelou. Ou seja, colocar aos dadores questões que eles podem considerar melindrosas.
Para Hélder Trindade, uma mexida nos critérios de exclusão implicará um aumento no universo de dadores, logo, um maior número de pessoas seropositivas entre os potenciais dadores. Quer, por isso, alterar os inquéritos de triagem.
Prazos ultrapassados
Actualmente, homossexuais e bissexuais estão proibidos de dar sangue em Portugal, apesar de uma resolução da Assembleia da República, proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada em 2010 sem votos contra, recomendar ao governo a “elaboração e divulgação de um documento normativo” que “proíba expressamente a discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual”.
O manual de triagem do IPST, de Outubro de 2014, determina que os infectados pelo VIH/sida estão definitivamente proibidas de dar sangue. Porém, as pessoas com um parceiro estável seropositivo ou que tenham tido sexo ocasional com um indivíduo com VIH, determina, respectivamente, uma “suspensão temporária” da dádiva de sangue, sem indicar prazo, e uma “suspensão de seis meses após o último contacto”.
Na prática, qualquer homem que se apresente num serviço de recolha de sangue só é aceite se declarar que nunca teve quaisquer contactos sexuais com outros homens.
Isso mesmo foi confirmado pelo presidente do IPST em audição na Comissão da Saúde da Assembleia da República, em Abril passado: “Se o dador admite que é homossexual mas não admite que teve práticas sexuais com homens, pode dar sangue”, disse Hélder Trindade. À saída, declarou aos jornalistas: “Tenho um critério para o heterossexual e outro diferente para o homossexual que tem coito anal porque na população homossexual existe uma prevalência elevadíssima de VIH.”
O designado Grupo de Trabalho sobre Comportamentos de Risco com Impacto na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores começou a trabalhar em Dezembro de 2012 e é composto por sete especialistas, incluindo uma representante do instituto.
Os prazos das conclusões do grupo têm sido ultrapassados de forma consecutiva, incluindo o limite de 30 de Junho, estabelecido pelo ministro da Saúde. A mais recente data era 31 de Julho e também foi ultrapassada. “Pondera-se que seja durante o mês de Julho”, escreveu há duas semanas o chefe do gabinete do ministro da Saúde, Luís Vitório, em resposta a uma pergunta do Bloco de Esquerda.
Até este domingo, o IPST não tinha respondido a várias tentativas de contacto feitas ao longo dos últimos dias. O mesmo aconteceu com o Ministério da Saúde, apesar de o assessor de imprensa Miguel Vieira ter prometido resposta por parte do secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde a um conjunto de perguntas enviadas pelo PÚBLICO. O IPST é tutelado pelo Ministério da Saúde.