Mãe que levou bebé do Hospital de Faro proibida de ver filho sozinha
Mulher regressou voluntariamente à unidade de saúde mas após a alta foi detida pela PJ, tendo sido proibida pelo juiz de instrução de contactar com o filho sem estar acompanhada. Bebé está bem e foi bem tratado, garante o hospital.
A mãe decidiu regressar voluntariamente à unidade de saúde na quinta-feira ao final do dia, mas quando teve alta do serviço de obstetrícia foi levada pelas autoridades policiais, confirmou o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Algarve, Pedro Nunes. Um responsável da Judiciária adiantou que a mulher não foi formalmente ouvida, tendo apenas sido transportada para o estabelecimento prisional de Odemira, onde passou a noite. Ontem foi presente ao juiz de instrução, que lhe aplicou as medidas de coacção.
Foi indiciada pelo crime de exposição a perigo, previsto no artigo 138.º do Código Penal, que prevê que “quem colocar em perigo a vida de outra pessoa expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se é punido com pena de prisão de um a cinco anos”. A lei estabelece, contudo, uma moldura penal mais alta no caso de o crime ser praticado por ascendente ou descendente da vítima, subindo a pena mínima para dois anos de prisão e mantendo-se a máxima inalterada.
A criança continua internada, por precaução, na unidade de cuidados intensivos do Hospital de Faro. No entanto, Pedro Nunes ressalva que “o bebé está bem” e que a mãe o tratou “muito bem” depois de o ter levado da unidade de saúde. “Aos olhos do hospital não é uma criminosa, é uma doente. Para nós não foi um rapto, mas tínhamos de alertar as autoridades policiais e avisar que tinha voltado. Foi o que fizemos. Como em termos judiciais isso pode ser importante, também fizemos questão de dizer que a criança está bem”, adiantou o administrador. O médico acrescentou que o perigo de vida do bebé foi invocado precisamente para poderem pedir o auxílio da polícia.
Segundo Pedro Nunes, a mulher regressou ao Hospital de Faro na quinta-feira perto das 22h30 e tanto ela como o bebé foram avaliados pela equipa médica. A clínica da área da obstetrícia que observou a mulher entendeu que tinha condições para ter alta e a PJ, já no local, decidiu detê-la. O hospital aguarda que as autoridades competentes comuniquem se a mãe mantém o poder paternal ou a quem deverão entregar a criança no momento da alta, que pode acontecer “em breve”.
Nos últimos dias, a polícia tinha apertado o cerco a esta mulher, contactando a sua família directa, o ex-companheiro e pai dos filhos, além de vários amigos. Duas secções da PJ de Faro, a do combate ao banditismo e a dos homicídios, asseguraram ainda a vigilância dos locais onde a toxicodependente se costumava abastecer.
A PJ acredita que planeou a fuga com o bebé, tendo deixado propositadamente vários biberons junto à sua cama no hospital para fazer crer os profissionais de saúde que estaria por perto. Fonte da investigação adiantou ao PÚBLICO que nestes últimos dias contactou uma tia apenas uma vez, já que sabia que a família reprovava o seu comportamento.
Numa conferência de imprensa após o regresso da mãe e do bebé ao hospital a pediatra de serviço na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, Maria Alfaro, já tinha dito que a progenitora se tinha mostrado “muito arrependida”.
“Entregou o bebé em boas condições de higiene, aparentemente está bem. Agora vamos avaliar o bebé, o estado de saúde, a parte familiar, social e logo se vê”, acrescentou, citada pela agência noticiosa Lusa.
Perdeu guarda de outro filho
O presidente de administração do centro hospitalar salienta que sempre tentaram “transmitir apoio e tranquilidade” à mãe, que “não é vista como nenhuma criminosa, mas como alguém que quis proteger o filho, ainda que não da melhor forma”. O médico adiantou que a mulher “regressou muito nervosa” e que fez saber que voltou por algum receio das consequências negativas deste caso no seu emprego - já que trabalha com crianças e idosos. Teme que ninguém a contrate depois do que fez.
Para Pedro Nunes, o debate deste caso não deve, por isso, ser centrado no facto de o Hospital de Faro não utilizar pulseira electrónica nos recém-nascidos, como obriga a lei. O médico entende ser preciso “aprofundar” as razões que levam uma mãe a temer a “forma de actuação” da Segurança Social perante a possibilidade de lhe retirarem o bebé. Há cerca de um mês, a mulher perdeu a guarda do filho mais velho, com seis anos. A criança está desde então aos cuidados do Refúgio Aboim Ascensão.
Ainda sobre a segurança, o administrador garantiu que todas as entradas e saídas de visitas e estranhos naquela zona do hospital são controladas, mas que neste caso, “tratando-se da mãe não havia essa necessidade”. Após o desaparecimento da mulher com o bebé, tanto a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde como a Entidade Reguladora da Saúde fizeram saber que vão investigar os contornos deste caso. Já a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Albufeira adiantou à Lusa que ainda não foi notificada do caso.
“Até hoje, ainda ninguém nos contactou e só depois da notificação é que poderemos intervir”, dizia ontem a presidente daquele organismo, Manuela Lima, sublinhando que, se a família da criança não consentir a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, a situação será remetida para o Tribunal de Família e Menores. Foi o que aconteceu no caso do filho mais velho da mulher. De acordo com Manuela Lima, a mãe, que reside em Albufeira, não autorizou que o rapaz, agora com seis anos e sinalizado por aquele organismo, fosse alvo de intervenção, tendo o caso sido remetido para o tribunal em 2014, que decidiu entregar a criança aos cuidados do Refúgio Aboim Ascensão, em Faro.