Anda por aí a fazer furor um vídeo levado a cabo por uma marca de preservativos num desses festivais de verão. Nele, podemos observar uma espécie de concurso no qual os participantes têm de bater os recordes dos seus antecessores numa simulação de cópula. Pessoalmente, admito que não seja a campanha com mais classe dos últimos anos, mas nada me escandaliza nela. Além do mais, promove o uso do preservativo e isso é de saudar – e, verdade seja dita, ninguém obrigou ninguém a fazer o que quer que fosse, certo? O que me tem escandalizado é a opinião generalizada, chocada e puritana segundo a qual uma acção destas é condenável nas fornalhas mais ardentes do inferno.
Vi muita piada sobre os pais daquelas miúdas que se colocam em situações alegadamente confrangedoras, adultos que haveriam de se cobrir de vergonha por terem as filhas naqueles preparos. Simultaneamente, não houve qualquer graçola sobre os rapazes que fingiam possuí-las. Ou seja, ainda vigora a ideia pré-histórica de que um gajo com saída é garanhão e uma miúda que aprecia os prazeres da carne é puta. Anda por aí muito pensamento a cheirar a mofo que não entende que o moralismo não é necessariamente sinónimo de moral.
Recentemente, foi lançada a tradução portuguesa de Perversões, de Jesse Bering, uma leitura fabulosa sobre sexualidade para quem quer perder preconceitos. Nela, o autor demonstra, com uma extraordinária dose de humor, que ninguém está a salvo de taras sexuais. Todos as temos – e ainda bem. É isso que nos recorda de que não deixámos de ser bichos, como tão bem nos explicou há vinte e poucos anos o saudoso Robin Williams. E quem o negar está a mentir. Brian Hugh Warner conta na sua autobiografia que, num armário dos seus avós ultraconservadores, encontrou pornografia para amantes de zoofilia. Sim, estou a falar de gente fotografada a manter relações sexuais com animais. Esse foi o evento cataclísmico na criação da personagem Marilyn Manson. Anos mais tarde, Warner, já na pele de Manson, em palco, de cinto de ligas e maquilhagem borrada, gritava ao público: “estão chocados comigo porque eu personifico aquilo que toda a gente é e não assume”.
Tal e qual: somos todos tarados por coisas diferentes, mesmo que não o assumamos nem sequer a nós mesmos. Mas sabemo-lo, no lugar mais profundo do nosso ser, temos pancadas por mamas, rabos, pés, pénis, vaginas, peitorais, pernas, coxas, costas, cabelos, mãos, palavrões, tudo. Até há quem tenha fixações sexuais por relações incestuosas, ou com animais, crianças, amputados ou mortos. A questão central que desponta nesta discussão é a do dano sexual: se estamos a anular consentimentos ou a causar dor noutro ser, somos, na verdade, perpetradores de um crime. Se, por outro lado, estamos a aborrecer pudores desgovernados de cabeças cheias de ar, pois então que continuemos na nossa alegre e divertida pândega.
Sigamos o exemplo de Alexis Frulling, a miúda que foi apanhada num ménage a trois e que não se arrepende nem um bocadinho de o ter feito. Está orgulhosa e sem pingo de vergonha. Também nós devíamos estar, por ela. Bering diz tudo: "o problema do dano sexual refere-se às criaturas vivas e que respiram e não a partidos políticos, nações ou cosmovisões". Comam-se à vontade e, pelo caminho, sigam os conselhos da Beatriz Gosta. Pode ser que seja um bom espanador para limpar o pó a essas ideias bafientas. Os tempos das castidades religiosas (e sem sentido) já lá vão.