Jorge Sampaio: "A capacidade de ouvir e pensar no lugar do outro"
"A suprema distinção que recaiu sobre Jorge Sampaio testemunha o invulgar apreço que a sua personalidade e a sua obra recolhem no plano internacional."
As Nações Unidas criaram em 2014 o Prémio Nelson Mandela a atribuir de cinco em cinco anos a um homem e a uma mulher, em reconhecimento da sua extraordinária dedicação "à promoção das finalidades e princípios das Nações Unidas, no espírito da vida e legado de Nelson Mandela". O Prémio Mandela é a mais destacada consagração mundial de uma vida ao serviço da liberdade, da justiça e da democracia; de uma vida vivida no terreno concreto das grandes causas em que as Nações Unidas se envolvem em nome desses valores.
É importante ter presente o contexto em que decorre a atribuição do Prémio. Nos termos da Resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Junho de 2014 – e seus desenvolvimentos – o Prémio galardoará serviços prestados à Humanidade na promoção da reconciliação, da coesão social e do desenvolvimento comunitário, guiada pelos princípios da Organização. As mais diversas entidades podem apresentar candidaturas, desde os Estados Membros até organizações intergovernamentais, universidades, centros de investigação e organizações não governamentais reconhecidas pelo Conselho Económico e Social. A Comissão de Selecção é presidida pelo Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas e integra representantes da África do Sul e dos cinco grupos regionais da Organização. A Comissão conta ainda com o contributo de cinco personalidades eminentes, a título consultivo. Tão vasta base de recolha de candidaturas e tão abrangente e diversificada composição da Comissão de Selecção garantem uma genuína qualificação universal do processo de atribuição.
Acresce a quanto se disse o facto de o prémio só ocorrer de cinco em cinco anos e de esta escolha de Jorge Sampaio ser a primeira – em certo sentido, o prémio dos prémios. A suprema distinção que recaiu sobre Jorge Sampaio testemunha o invulgar apreço que a sua personalidade e a sua obra recolhem no plano internacional.
Como é evidente, a distinção exalta o próprio em primeiro lugar, mas no caso de Jorge Sampaio exalta também o País e o Povo cuja história recente tanto o ajudou a compreender o sentido universal – e concreto – da luta pela liberdade, pela democracia e pela justiça. Disso mesmo Jorge Sampaio nos deu prova definitiva no seu discurso de aceitação do Prémio Mandela nas Nações Unidas, ao dedicar o prémio aos portugueses “povo bravo (corajoso), generoso, extrovertido e resistente”. Que o tenha feito emocionadamente, fica-lhe e fica-nos bem.
Tão alheado estava das nomeações de candidatos, que a atribuição do Prémio foi uma genuína surpresa para Jorge Sampaio. Conhecendo-o como o conheço desde a juventude, sempre foi notória a sua modéstia, a sua distância (para não dizer aversão) a certas movimentações de bastidores tão típicas da vida política, nacional ou internacional. A posteriori, julgo compreender bem algumas das razões a que nenhum júri poderia ficar indiferente na relatividade da escolha a fazer. Para além do mérito, em si mesmo, da obra feita e da eficácia das suas intervenções, há traços de personalidade que raramente habitam tão puros no mundo dos grandes actores da cena internacional. Como a candura e pureza da paixão pelos princípios e valores, sem prejuízo de uma tolerância e abertura à diversidade e ao contraditório. A capacidade de ouvir e pensar no lugar do outro, a combatividade perene de advogado de causas (permanentes no essencial de valores e princípios, mutantes nos contextos e finalidades), a seriedade de preparação de cada dossier, a compreensão do valor do compromisso sem traição, a cordialidade de um homem seguro da sua cultura e dos seus princípios, o calor humano posto em cada encontro convergem em Jorge Sampaio, conferindo-lhe um perfil recheado de impressivos atributos necessários à alta diplomacia dedicada à paciente elaboração de mecanismos internacionais da cooperação, da confiança e da solidariedade.
Jorge Sampaio já nos tinha dito que a diplomacia, no sentido antes exposto, é o seu campo de acção preferido. Quem o conhece não ficará surpreendido por a vir exercendo com a exemplaridade que o primeiro Prémio Mandela mundialmente consagra. Regozijemo-nos com essa consagração. Mas sobretudo vivamos dia a dia os valores e princípios que a ditaram.