Afinal, o pai de Alexandre, o Grande, estava no túmulo ao lado
No dia em que se cumprem 2371 anos do nascimento daquele que criaria um dos maiores impérios da antiguidade – Alexandre, o Grande –, cientistas afirmam ter resolvido um mistério de quatro décadas em torno do túmulo do seu pai.
Em 1977 e 1978, o arqueólogo grego Manolis Andronikos descobriu vários túmulos perto da actual cidade grega de Vergina, no sítio onde estava situada Aigai, capital da antiga Macedónia. Dois deles estavam intactos. O chamado Túmulo I continha as ossadas de um homem, uma mulher e um recém-nascido.
Todavia, os tesouros encontrados no Túmulo II – ainda hoje chamado “Túmulo de Filipe” – convenceram muitos especialistas de que este último só podia pertencer a Filipe II.
Mas agora, uma equipa greco-espanhola, liderada por Juán-Luis Arsuaga, da Universidade Complutense de Madrid (e um dos coordenadores da célebre escavação de Atapuerca), e Antonis Bartsiokas, da Universidade Demócrito da Trácia, publica provas forenses que parecem não deixar lugar para dúvidas: o pai de Alexandre, a sua última mulher e a criança recém-nascida de ambos estão enterrados no Túmulo I – e não no Túmulo II. Os seus resultados foram publicados esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
“Apesar das provas antropológicas e arqueológicas que indicam que o Túmulo II pertence ao rei Arrídeo e à sua mulher Eurídice, o establishment arqueológico continua a afirmar que pertence a Filipe II”, escrevem os autores no seu artigo. (Filipe III/Arrídeo, meio-irmão mais velho de Alexandre, reinou depois da morte, em Babilónia, em 323 a.C., daquele que derrotara Dário III, rei dos persas, e criara um dos maiores impérios da antiguidade.)
Os autores realizaram uma série de análises radiológicas e por tomografia computadorizada aos ossos do Túmulo I. E concluem que o verdadeiro “Túmulo de Filipe II” só pode ser este e não o outro, como muitos pensam.
No centro da argumentação dos autores: o facto que o esqueleto de homem do Túmulo I apresenta uma anquilose do joelho – mais precisamente, um bloqueamento desta articulação. Ora, sabe-se que três anos antes da sua morte, Filipe II fora ferido numa perna por uma lança inimiga.
Devido a esta disformidade, Filipe II não só ficara coxo, mas sofrera de torcicolo crónico durante os três últimos anos da sua vida por ter de inclinar constantemente a cabeça para compensar a sua postura, salientam os cientistas, que também descobriram um buraco que atravessa a articulação do joelho e à volta do qual os ossos cicatrizaram.
A anquilose poderia ter sido causada tanto por um traumatismo como por uma doença congénita, explicam ainda os autores. Mas neste caso, afirmam, os resultados indicam que o processo inflamatório parou vários anos antes da morte de Filipe. “Daí deduzimos que a anquilose foi causada por uma ferida grave do joelho”, que acabou por sarar.
E mais à frente, lê-se: “Combinando [os escritos] de Justino, Demóstenes, Plutarco e Ateneu com os de historiadores recentes, temos a história seguinte: quando Filipe regressava à Macedónia [em 339 a.C.], depois da campanha contra Atéas, rei dos citas, a tribo trácia dos tribálios foi ao seu encontro e recusou-se a permitir-lhe a passagem a menos que recebesse uma parte dos despojos. Uma disputa deflagrou, seguida de uma batalha durante a qual Filipe foi ferido com tal gravidade na perna que o seu cavalo morreu sob o efeito” da mesma lança.
E prosseguem: “Ora, como a anquilose do joelho e o buraco acima descritos (…) encaixam perfeitamente com os registos históricos segundo os quais uma lança atravessou a perna de Filipe, daí decorre que o indivíduo 1 identifica o Túmulo I como sendo o túmulo de Filipe.”
Os cientistas estimam ainda que o esqueleto em causa pertenceu a um homem com um 1,80 metros de altura ("terá sido dos mais altos macedónios antigos") – e, com base no desgaste dos dentes da sua mandíbula, que terá morrido aos 45 anos – o que também bate certo com a história.
Também descobriram algo que até aqui não se sabia ao certo: que a lança atingiu Filipe II de Macedónia na perna esquerda.
Quanto ao segundo esqueleto de adulto, afirmam, é o da jovem rainha Cleópatra, sétima mulher de Filipe II, que tinha 1,65 metros de altura e 18 anos quando morreu – e que dera à luz, uns dias antes, uma criança cujo esqueleto é o terceiro enterrado no mesmo túmulo.
Trata-se de um recém-nascido, concluem os cientistas, acrescentando que “o que sabemos com base em fontes literárias é que o bebé de Cleópatra nasceu poucos dias antes do assassinato de Filipe (…). Olímpia [a mãe de Alexandre] assassinou Cleópatra e o seu bebé imediatamente depois do assassínio de Filipe e da eleição de Alexandre como novo rei, (…) obrigando Cleópatra a enforcar-se depois de ter morto a criança que a jovem rainha tinha ao colo. (…) Portanto, o esqueleto de recém-nascido no Túmulo I confirma que a mulher enterrada ao pé dele morreu pouco depois do parto.”
Qual terá sido o sexo dessa criança? Os autores não querem especular, preferindo esperar por “futuras análises genéticas que deverão fornecer dados sobre o sexo e a filiação” do bebé. “Há muita confusão nas fontes antigas, contaminadas pela propaganda, acerca do sexo da criança de Cleópatra. A única coisa em que todos concordam é que teve um único bebé.”
E o Túmulo II? A análise dos ossos mostra que pertenceram a um homem adulto e a uma mulher com cerca de 25 anos de idade na altura da morte – ou seja, já adulta e não adolescente como Cleópatra. Estes resultados são mais concordantes com a hipótese de se tratar efectivamente dos restos mortais do rei Arrídeo e da rainha Eurídice, como já foi sugerido por alguns especialistas, concluem os autores. E se assim for, a armadura encontrada nesse segundo túmulo bem poderá ser… a do próprio Alexandre, o Grande, dado que Arrídeo estava junto dele quando Alexandre morreu de doença em Babilónia.
Uma nota final dos autores, num registo totalmente diferente: “A recuperação de Filipe II da sua terrível ferida na articulação do joelho é um acontecimento notável numa era sem antibióticos. Mostra a notável perícia dos seus médicos para evitar as hemorragias.”
Noutro registo ainda, diga-se que o artigo da equipa greco-espanhola é publicado de forma muito oportuna: precisamente no dia em que se cumprem 2371 anos do nascimento de Alexandre, o Grande.
Uma última curiosidade: no mesmo dia em que deu à luz o seu filho, a mãe de Alexandre recebeu a notícia de que Filipe II da Macedónia, o seu marido, vencera a corrida de cavalos nos Jogos Olímpicos – um sinal, naquela altura, de que o seu filho estaria destinado a um futuro glorioso. E foi nessa ocasião que ela adoptou o nome de Olímpia.