Chegámos aquela altura do ano em que vamos de férias. Passámos o ano inteiro a trabalhar, mas valeu a pena, porque agora vamos de férias. E se não formos de férias, não interessa, vamos aos festivais. Desde que cheguemos aquela altura do ano em que temos uma vida à grande para postar no Facebook.
Não fosse o facto de todos os nossos amigos fazerem o mesmo mais ou menos pela mesma altura, e talvez estivéssemos de acordo. Porque eles é fotografias no Mediterrâneo ou no Alive, porque eles é vídeos na Eurodisney e no Super Rock, porque eles é Instangram em Cabo Verde ou no Sol da Caparica, pelo menos uma vez por ano, que é para fazermos de conta que a vida vale mesmo a pena enquanto se faz a contabilidade dos likes, proporcional à dor de cotovelo de quem faz um clique no dito cujo.
Sim, porque seja daqui por oito dias, seja na segunda-feira, a verdade é que não tarda para estarmos todos de volta ao mesmo, ao mutismo social durante onze meses de chuva morrinha e trabalho todos os dias, até que passe mais um ano enquanto se contam os tostões e as fomes para mais um festival ou mais umas férias, quem sabe se os dois? (e aí sim, a inveja geral na rede social) Porque assim é ser-se português, doze meses por inteiro à espera que algo aconteça enquanto fazemos contas à vida e sonhamos alto. Mas não por nós, não porque se quer ir a A ou B, ou fazer C ou D. Não. Ao invés, queremos é semear a discórdia no vizinho e tingir de inveja verde o amigo e o primo, um post de cada vez, um post a seguir ao outro, assim minando as suas existências enquanto justificamos esta vida de modorra que nos leva os anos por inteiro mais a vida toda.
E assim se passa o tempo nesta nossa portugalidade. Cativos da mesma, corremos atrás da própria cauda convencidos que a vida é mesmo assim ao mesmo tempo que os nossos amigos, aqueles que emigraram, passeiam três e quatro vezes por ano lá fora, pelo menos a contar pelas fotografias e comentários em estrangeiro na Internet, enquanto nos contam sobre empregos a sério e como os objectivos alcançados ajudam a mudar a face do mundo. Estranhamente, nunca pensámos poder ser felizes no trabalho. Pelo menos aqui, em Portugal.
Mas de pouco importa, porque ninguém gosta de trabalhar, eu não gosto e tu também não, pelo que não vou lutar nem por direitos nem por um salário mais digno, nem tão pouco quero saber de condições laborais, porque essa conversa é para os sindicatos e os sindicatos não fazem nada, e assim continuar a votar nos mesmos para que nada mude e fique tudo na mesma. Porque o que eu quero é que me leves para o ano para as Caraíbas e apanhar um bronze do caraças enquanto uma palmeira se senta atrás de mim e a malta do escritório arregala os olhos à frente do ecrã. Porque a inveja existe, e possamos nós semear um pouco da mesma durante este curto espaço de tempo concedido por Deus e já terá valido a pena. O sentido da vida? Ir de férias, desde que o vizinho não vá.
