Contactos entre Lula e Passos Coelho na mira das autoridades brasileiras
Ex-Presidente do Brasil é suspeito de ter promovido os interesses comerciais da construtora Odebrecht de forma irregular, em reunião de 2013 com o primeiro-ministro português. Processo dizia respeito à privatização da Empresa Geral de Fomento, no sector da gestão de resíduos.
O diário carioca faz referência a telegramas diplomáticos que “indicam que as actividades do ex-Presidente Lula da Silva em favor do grupo Odebrecht no exterior foram além da contratação para proferir palestras”, ao contrário do que garantem os assessores do político brasileiro e da empresa construtora, uma das maiores do mundo.
Um desses documentos diz respeito a relatos do embaixador do Brasil em Lisboa, Mário Vilalva, das diligências efectuadas por Lula junto de Pedro Passos Coelho, a 24 de Abril de 2013, “reforçando” o interesse da Odebrecht na privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), uma sub-holding do Grupo Águas de Portugal para o sector dos resíduos. O governante português, cita o embaixador, “reagiu positivamente ao pleito brasileiro”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter um comentário do primeiro-ministro.
Na última quinta-feira, a Procuradoria da República do Distrito Federal de Brasília decidiu abrir um inquérito para apurar as suspeitas de tráfico de influências que recaem sobre o ex-Presidente brasileiro e homem forte do Partido dos Trabalhadores (PT), no Governo. Na mira dos investigadores estão uma série de viagens de Lula ao estrangeiro sob o patrocínio da construtora Odebrecht – cujo presidente, Marcelo Odebrecht, foi detido há um mês no âmbito da operação Lava Jato, que expôs a teia de corrupção, desvios de dinheiro e troca de favores em torno da estatal petrolífera Petrobras.
Entre 2011 e 2014, Lula viajou frequentes vezes para a Europa, África e América Latina para conferências, palestras e conversas com empresários e autoridades nacionais, que se suspeita terem contribuído para a promoção ilegítima dos interesses negociais da Odebrecht na obtenção de contratos. No mês passado, a revista Época revelou que Lula viajou com o ex-director da Odebrecht Alexandrino Alencar (também preso na Lava Jato) para o Panamá, Colômbia, Peru, Equador, Angola, Gana, Cyba e Guiné Equatorial – países onde a empresa tem obras, algumas das quais financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social do Brasil.
Se as suspeitas vierem a ser confirmadas, o ex-Presidente terá incorrido no crime de tráfico de influência internacional, tipificado na lei do país em 2002 como aquele em que o arguido “solicita, exige, cobra ou obtém, para si ou para outrém, directa ou indirectamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em acto praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transacção comercial internacional”.
A alegada intermediação de Lula em nome da Odebrecht no negócio de resíduos sólidos urbanos da EGF acabou por não conduzir a nada, uma vez que a empresa brasileira nem chegou a apresentar uma proposta ao concurso público internacional lançado em Março de 2014 (o processo de privatização em causa foi concluído em Novembro, com a assinatura de um contrato de compra e venda entre as Águas de Portugal e o agrupamento Suma).
Numa reacção à notícia, o Instituto Lula, que enquadra a actividade do ex-Presidente, negou categoricamente que este tenha actuado como “lobista” da construtora: “Não recebeu, não recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influências”, diz um comunicado.
Em relação ao telegrama diplomático obtido pelo jornal O Globo, o instituto diz que “como o documento mostra, [Lula] comentou o interesse da empresa brasileira pela empresa portuguesa. Que aliás era público há muito tempo. São inúmeras as empresas brasileiras que acompanham com interesse o processo de privatizações em curso em Portugal”.