Cristiano Ronaldo
Cristiano Ronaldo, o ilhéu
Seguimos o rasto de Cristiano Ronaldo no Funchal, cidade onde nasceu e viveu os primeiros anos de vida.
A imagem de Cristiano Ronaldo pode irromper em qualquer recanto. Miúdos que caminham com o número 7 nas costas. Lojas que transbordam, dentro do Mercado dos Lavradores, em ruas e ruelas do Funchal — T-shirts, toalhas, chávenas e outros objectos.
A Madeira rendeu-se há muito. Há mais de dez anos, pediu-lhe que se tornasse seu “embaixador”, o que implicava dar uma perninha nas mais importantes feiras de turismo. No ano passado, encomendou uma estátua ao escultor Ricardo Veloza para pôr na Avenida Sá Carneiro.
Por causa do jogador, já aterraram jornalistas de todo o lado, cada um à procura de um ângulo novo de uma história mil vezes contada — a infância de pobreza , o alcoolismo paterno, a ida precoce para Lisboa, a saudade da família, a humilhação ampliada pelo sotaque fechado de Santo António, zona alta do Funchal.
Uma vez, uma equipa de um canal de televisão japonês esteve quatro horas a fazer perguntas a Alberto Vieira, investigador-coordenador do Centro de Estudos de História do Atlântico, na ânsia de perceber como é que um rapaz de tão pequena ilha se tornara numa figura planetária. Procurava fundamentos históricos.
Alberto Vieira tinha uma teoria para partilhar. “O ilhéu é batalhador, teimoso, leva até ao fim o que tem na mente”, diz ele. Não fosse isso, não teria conseguido fazer vida num lugar com orografia tão agreste. No início, volta e meia as colheitas eram estragadas por desabamentos ou enchentes. Construíram-se socalcos nas encostas, abriram-se veredas e canais de água nas serras, desbravando floresta, rasgando rocha, à força de picaretas, tantas vezes à beira de precipícios.
“A relação do ilhéu com o meio foi quase sempre violenta, não no sentido de conflito [entre pares], mas no sentido de domar a natureza”, resume o historiador. “E essa teimosia, essa capacidade de vencer, está entranhada no Cristiano Ronaldo.” O jogador diz amiúde que não é só talento, é também disciplina, trabalho, esforço, persistência, vontade de se superar. “Ele é um batalhador. Teimoso, leva até ao fim o que tem na mente.”
Ainda há pouco, quem fosse à ilha desejoso de fazer um roteiro Cristiano Ronaldo nada encontraria. A casa de família, anexa ao bairro da Quinta Falcão, foi demolida pela câmara em 2007. Não quis manter um casebre em ruína para ser fotografado e exibido na imprensa do mundo inteiro. Mas ainda há quem lá vá, sem imaginar que só resta o terreno, agora votado ao estacionamento.
Sobram fotografias no Clube de Futebol Andorinha de Santo António, que nem tinha campo de treino quando ele começou a jogar, ia nos sete anos, e na sede do Clube Desportivo Nacional, para onde foi transferido por 20 bolas e um conjunto de equipamentos infantis. E há a polémica estátua, com os braços abertos, a olhar em frente, como ele faz quando tem de marcar um livre. E, subindo a Rampa do Carvão até à Rua Princesa D. Amélia, um espaço com o pomposo nome de museu.
O “museu” mais parece uma loja. Fica no rés-do-chão de um edifício banal. Tem calçada portuguesa no chão, fotografias nas paredes, uma estátua de cera ao centro e numerosos troféus conquistados ao serviço do Andorinha, do Nacional, do Sporting, do Manchester United, do Real Madrid. E lá estão as insígnias da Ordem do Infante D. Henrique, atribuídas pelo Presidente da República, e o Cordão Autonómico de Distinção, a mais alta condecoração regional.
Para já, ninguém faz sombra ao jogador ali nascido há 30 anos. E no futuro? “Acho que, historicamente, não vamos ter outro Cristiano Ronaldo”, arrisca Alberto Vieira. A relação com a natureza pacificou-se, a reboque das transferências comunitárias, da densa rede viária e de outras infra-estruturas feitas no boom de construção, a que se seguiu uma valente crise. O povo relaxou. Ficou contente consigo, com o meio. “Um zen não é um batalhador.” Ana Cristina Pereira