O charme de John Legend num Marés Vivas superlotado

No meio de um frenesim de acções promocionais, brindes, selfies e cacofonia, John Legend deu o concerto mais celebrado do primeiro dia do Festival Marés Vivas, quinta-feira, em Vila Nova de Gaia. A 13ª edição decorre até sábado e já está esgotada.

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Foram milhares os que ocorreram ao Festival Paulo Pimenta
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Capicua Paulo Pimenta
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John Newman Paulo Pimenta
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A noite acabou em beleza com John Legend Paulo Pimenta

Isso aconteceu pela meia-noite, altura em que se dissiparam as enormes filas nos vários stands das marcas presentes no festival, onde as pessoas esperavam para tirar uma selfie em 360º, para entrar numa espécie de aquário repleto de bolas de esferovite, ou para fazer coreografias colectivas numa tenda de gelados ao som de música estridente.

Tal como se previa, John Legend, sempre sorridente, foi o senhor da noite – uma noite esgotada, com 30 mil espectadores – com a sua soul e r&b (por vezes em tangente com o jazz) dulcíficos e vaporosos, não se limitando a cumprir o programa dos discos. O piano picado de I can change ganha ao vivo uma redobrada tensão, que se espraia com as investidas instrumentais da sólida banda que o acompanha. Save room, balada para aquecer os lençóis, é elevada por uma orquestração grandiloquente, mas sem ser incomodativa e sem abafar a voz poderosa de Legend.

Durante o concerto, o músico americano, que ficou conhecido pelas colaborações com Kanye West, Alicia Keys ou Jay Z (e que quinta de manhã foi visitar a cadeia masculina de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos) passou por vários sucessos da sua carreira, de Used to love u a Ordinary people, até chegar ao momento que boa parte do público esperava. Muitos beijos entre casais, selfies e telemóveis no ar: ouvia-se All of me, o terceiro single do último disco de Legend, Love In The Future (2013), que lhe conferiu o estatuto de superestrela.

Tentativas falhadas e uma rapper pertinente
Antes de John Legend, o palco principal do 13.º Marés Vivas recebeu John Newman, cantor britânico de 25 anos que escalou as tabelas de vendas graças à canção Love me again (2013), instantâneo radiofónico que assolou variadíssimas lojas de roupa e salas de espera de gabinetes médicos – critério que parece ser levado demasiado a sério por parte da organização do festival quando desenha os cartazes, opção que muitas vezes resulta em escolhas que parecem desgarradas entre elas, sem grandes pontos de contacto.

O que poderia ter sido um aquecimento para Legend nos territórios da soul foi antes uma tentativa frustrada de chegar a esse género, resultando num concerto de pop-rock, com impulso house, genérico e repetitivo, demasiado acetinado e descartável, atravessado por uma espectacularidade sonora e visual inconsequente, de encher o olho. A voz nasalada de Newman, sem amplitude e muitas vezes a soçobrar, também não ajudou. Contudo, o público respondeu com entusiasmo.

Pelas 19h15 começava Capicua, hora em que se viam chegar muitos festivaleiros, alguns deles ingleses e espanhóis. De um lado estava a rapper portuense, sempre atenta, sempre pertinente, fazendo referência a uma Grécia dilacerada, à crise do Euro, a uma Europa à beira do precipício (desta vez mesmo em pontas dos pés na linha do abismo). Do outro, um frenesim de marcas e respectivos brindes, uma nova manteiga aromatizada dada a provar, uma fita para pôr no cabelo, um chapéu.

Tentámos focar-nos no que interessava: no concerto de Capicua, na sua lírica combativa, feminista, surpreendente e necessária (“E no Portugal real, quem consegue resistir? Quem consegue ver o país a mingar sem fazer nada? É de fazer atirar as pedras da calçada!”, canta em Pedras da calçada com M7), no interlúdio com música de José Afonso na celebratória Vayorken.

Já com os veteranos Blind Zero a inaugurarem o palco principal, com o seu rock envernizado e de pretensões épicas, boa parte do público (muitos adolescentes, pré-adolescentes e famílias) preferia continuar a descobrir os passatempos e os jogos das marcas, num cenário confuso de feira popular/shopping/festival de Verão. Não é novidade que muitos festivais são hoje parques de diversões com concertos e o Marés Vivas não é obviamente caso único, mas aqui sente-se um bombardeamento quase irrespirável de acções promocionais, barulho visual e cacofonia, provavelmente por ser um recinto consideravelmente mais pequeno do que o dos principais festivais portugueses.

Entre um cartaz com nomes bastante óbvios, foi refrescante ver os Oupa! no palco secundário, novíssimo projecto de hip-hop que nasceu numa residência artística no Bairro do Cerco com oito jovens, numa iniciativa da Câmara Municipal do Porto orientada por nomes como Capicua, André Tentugal e D-One. Rap para mostrar o Cerco a quem o ignora; música honesta e autoral, apontada à denúncia social, ao feminismo, à desconstrução de preconceitos. E à festa.

No fim de John Legend ainda foram muitos os resistentes que ficaram para ouvir o reggae de Richie Campbell, seguido de DJ sets. O Marés Vivas decorre até sábado e os bilhetes já estão esgotados. Esta sexta, os nomes mais sonantes são Lenny Kravitz, Buraka Som Sistema e Miguel Araújo; amanhã Jamie Cullum, The Script e Ana Moura.

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