John Legend esteve na prisão e diz que EUA têm "muito que aprender" com Portugal

Cantor encabeça campanha Free America e pediu para visitar uma prisão em Portugal. Esteve reunido com reclusos da Unidade Livre de Drogas, um projecto inovador na prisão de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos

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Rui Farinha/nFactos

Foi o próprio músico que pediu à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para visitar uma prisão em Portugal dando expressão às suas preocupações sociais no âmbito da campanha Free America que encabeça contra a sobrelotação das cadeias. E foi a primeira vez que visitou uma cadeia na Europa.

Legend passou apenas algumas horas na prisão. À saída elogiou o sistema prisional português em comparação com o sistema norte-americano. “Já visitei várias cadeias nos Estados Unidos e acho que as prisões em Portugal são mais humanizadas. Temos muito que aprender com países como Portugal. O ambiente é mais saudável e parece-me que estão mais interessados em dar aos reclusos uma vida melhor. Nos Estados Unidos temos mais celas solitárias, condições desumanas e muitos menores presos no sistema juvenil”, lamentou o cantor.

Atrás dos muros de Santa Cruz do Bispo, onde se encontram 525 reclusos, o músico sentou-se à conversa com alguns dos que frequentam o programa de desintoxicação, conheceu também a escola que vai até ao 9.º ano de escolaridade com formação em inglês, música, educação física e artes plásticas, a casa de transição dos reclusos, a clinica de psiquiatria e os terrenos de cultivo de milho. Desafiado por um dos reclusos, autografou ainda uma camisola do FC Porto.

“Só por ter vindo aqui já vale a pena estar preso”, gracejou aquele recluso que esteve à conversa com o músico. Legend mostrou-se interessado no programa de desintoxicação daquela cadeia e não evitou novas comparações com os Estados Unidos da América (EUA). “Os EUA representam 5% da população mundial e têm 25% por cento da população mundial que está presa”. Para o artista, houve ainda tempo para concluir que em Portugal as penas são menos punitivas do que nos EUA e a reabilitação é “melhor”.

"Quem é ele?"

“Quem é ele?”, pergunta António Santos, com 42 anos, ali preso há 9. António é o responsável pelo bar junto à clínica de psiquiatria e saúde mental da cadeia, a única existente no sistema prisional português. “Gostava de lhe servir um café. Até vesti uma camisinha diferente hoje. Respiramos melhor quando alguém de fora cá vem e já viu um cantor famoso querer cá vir ver-nos? É muito bom”, atira António. Legend passa perto, mas não se cruza com o recluso que em Setembro vai a uma reavaliação da medida de internamento de 10 anos e oito meses a que foi condenado por tentativa de homicídio. “Foi uma coisa que me aconteceu. Acredito que vou sair nessa altura e vou trabalhar para o estrangeiro onde tenho um irmão”, diz António.

“Isto aqui é tudo gente calma”, garante um guarda ao lado de António, enquanto Legend assistia a uma pequena palestra com João Goulão, o director-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. “Todos os reclusos com quem falei voluntariaram-se para um programa de reabilitação das drogas. Foi bom ouvir a perspectiva deles, as razões porque quiseram mudar as vidas deles e como este programa os está a ajudar”, contou o músico.

O subdirector-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Licínio Lima, aproveitou para defender uma aposta maior do Estado  “nas medidas alternativas” à cadeia insistindo que “há reclusos que nem deviam estar na prisão”. “Visitas como estas são raras e vai incentivar-nos a continuar com as boas práticas. Queremos investir mais na reabilitação do que na reclusão. Queremos alterar o paradigma prisional em Portugal. As cadeias têm de passar a ser um centro de humanização por excelência, mas é necessária uma mudança de mentalidades da sociedade e dos juízes. Há 400 indivíduos com pulseira electrónica em Portugal, um número baixo num universo de 14 mil reclusos”, alertou ainda.

Já o director da cadeia de Santa Cruz do Bispo, Hernâni Vieira, despedindo-se de Legend à porta da casa de transição da clinica psiquiátrica que acolhe inimputáveis, salientou ser necessário fazer “um apelo à sociedade civil para que não deixe de apoiar” aquele tipo de reclusos cuja “reintegração social é muito difícil”.

Pelas várias ruas que no interior da cadeia ligam os diferentes complexos, ouviram-se gritos de reclusos que clamaram pela vedeta como fãs e que já o aplaudiam antes do concerto. Mas das janelas dos homens enclausurados nos complexos de regime fechado, considerados de maior risco e que não tiveram direito à visita de John Legend, soaram críticas. “Cambada de hipócritas, pá!”, berrou um através das grades. Com um pé na carrinha em que saiu da prisão, o músico sublinhou ter visto na cadeia portuguesa “mais esperança e mais ferramentas [do que no EUA] para reintegrar” os reclusos que saem em liberdade.

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