Zona euro premeia com mais crédito o cumprimento grego do acordo

Para já tudo parece correr conforme o plano, com os parlamentos a votarem o acordo e dinheiro fresco a chegar à Grécia. Mas as divergências e tensões na zona euro persistem.

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Mario Draghi diz que o BCE actua assumindo que nenhum país irá sair do euro Kai Pfaffenbach/Reuters

As duas medidas irão dar às finanças gregas um espaço para respirar que não tinha já há várias semanas, e que se tinha apertado de forma ainda mais grave desde que foi convocado o referendo sobre a proposta da troika.

Foi nessa altura que o Banco Central Europeu (BCE) deixou de aceder aos pedidos do banco central grego para um aumento da Assistência de Liquidez de Emergência (ELA, na sigla em inglês), que ficou congelada nos 89 mil milhões de euros. A partir daí, os bancos tiveram de fechar as portas e cada cliente passou a poder levantar apenas um máximo de 60 euros por dia através de caixas automáticas.

Agora, depois do acordo a que se chegou na segunda-feira no final da cimeira do euro, e no dia seguinte à aprovação pelo Parlamento grego das primeiras medidas exigidas no acordo, o BCE passou a considerar que já é possível responder ao agravamento das necessidades de financiamento da banca grega, aumentando em 900 milhões (ao longo da semana) o nível da ELA que está disponível.

Algumas horas antes, no Eurogrupo, os ministros das Finanças da zona euro chegaram a um acordo de princípio para a concessão de um empréstimo de transição ao Estado grego. Serão 7000 milhões de euros, emprestados por um prazo máximo de três meses, e que podem chegar aos cofres gregos antes de um programa de financiamento a três anos ser desenhado e acordado entre as partes, algo que apenas poderá acontecer dentro de quatro semanas.

O crédito será concedido através do fundo no qual participam todos os 28 Estados-membros da União Europeia, o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF). Esta solução não agradou inicialmente aos países da UE que não fazem parte do euro, principalmente o Reino Unido, mas o impasse resolveu-se com a entrega de garantias a esses Estados de que não incorrem em perdas por causa da sua participação no MEEF.

O empréstimo de transição de 7000 milhões de euros servirá para a Grécia fazer um pagamento de 3500 milhões de euros ao Banco Central Europeu no dia 20 de Julho, para pagar a dívida de 2000 milhões de euros que tem em falta com o FMI e para amortizar outra dívida de 400 milhões de euros que tem face ao banco central grego. O financiamento ajudará ainda o país a fazer face a compromissos internos como o pagamento de salários e pensões.

Para o BCE, o facto de o Estado grego ficar agora em condições de amortizar as suas dívidas mais imediatas foi também decisivo. “As coisas mudaram agora. Tivemos uma série de notícias, com a aprovação do empréstimo de transição, com os votos em vários parlamentos, que restauraram agora as condições para uma subida da ELA”, afirmou Mario Draghi.

Draghi vs Alemanha

Este cumprimento à risca daquilo que foi acordado no acordo da última cimeira do euro não esconde contudo a persistência de muitas tensões, divergências e desconfianças entre os governos e as instituições da zona euro.

Os principais actores neste momento são a Alemanha, que continua a duvidar da viabilidade do acordo e a apresentar a saída da Grécia do euro como alternativa, a Grécia, que mostra cada vez mais relutância em cumprir as exigências do acordo assinado na segunda-feira, e a liderança do BCE, que, defendendo a necessidade de cumprimento à risca do acordo, não quer ver colocada em cima da mesa a saída de um Estado membro da zona euro.

Na conferência de imprensa que se seguiu às decisões do banco central, Mario Draghi fez aliás questão de frisar que assume que a Grécia se irá manter na zona euro. “O BCE actuou dentro daquilo que é o seu mandato e continuará a fazer o mesmo no pressuposto de que a Grécia irá continuar a ser um membro da zona euro”, afirmou o governador italiano, assinalando também que assegurar que isto acontece é “uma responsabilidade tanto do Governo grego como dos outros estados membros”.

Esta posição surge numa altura em que, na Alemanha, o debate é sobre se o melhor para a zona euro não seria mesmo uma saída da Grécia da moeda única. O ministro das Finanças alemão é quem mais se tem empenhado na defesa das vantagens de um Grexit, apresentando a seguinte argumentação: a Grécia precisa de uma reestruturação de dívida muito significativa; esta não é permitida pelos tratados europeus; resta assim a solução de uma saída temporária da Grécia do euro, que permita um perdão de dívida significativo que ajude o país a recuperar.

Esta sexta-feira, o parlamento de Berlim irá votar a abertura de negociações com a Grécia para um terceiro programa de resgate e esta será a questão que os membros do Bundestag vão ter em mente. De acordo com a Reuters, no encontro que teve com o grupo parlamentar do seu partido, Angela Merkel assumiu que a possibilidade de a Grécia sair do euro não deve ser um tema tabu, defendendo assim o seu ministro das Finanças dos ataques que têm vindo a ser feitos pelo SPD, o outro partido da coligação governamental.

E Merkel, demonstrando que não é só na Grécia que o acordo da última cimeira é aprovado a contragosto pelos deputados, apresentou um argumento central para o voto favorável dos deputados do seu partido: “Isso salvará a Europa de ter de passar por mais uma provação."

Mario Draghi também abordou a necessidade de uma reestruturação da dívida grega, mas, ao contrário de Schäuble, acredita que esta é possível dentro da zona euro. “É incontroverso que um alívio de dívida [para a Grécia] é necessário. A questão é saber qual a melhor forma de alívio da dívida dentro do nosso enquadramento legal e institucional”, disse.

As divergências de Mario Draghi com a Alemanha parecem não acontecer apenas com Schäuble e o executivo alemão. O presidente o BCE deixou implícito que a decisão de aumentar a ELA disponibilizada aos bancos gregos não foi unânime no conselho de governadores, ao afirmar, quando questionado sobre o assunto, que apenas é necessária uma maioria de dois terços para fazer passar este tipo de medidas. O representante do banco central alemão no conselho do BCE, Jens Weidmann, tem sido dos mais críticos em relação ao nível de exposição que o BCE está a assumir perante o sistema financeiro grego.

Quando abrem os bancos

Mais do que estas discussões, para a maioria dos gregos, o que mais deverá interessar no imediato será contudo saber quando é que o funcionamento dos bancos e da economia se aproxima mais da normalidade. E aqui, apesar dos novos fluxos de financiamento estarem a caminho, ainda não há respostas definitivas.

“Se as coisas continuarem a processar-se da forma positiva, tal como nos dois últimos dias, teremos uma fase durante a qual o Banco da Grécia e o BCE irão olhar a quais são exactamente as necessidades da economia grega e como é que elas podem ser gradualmente satisfeitas”, afirmou Mario Draghi. Mas o presidente do BCE não se quis arriscar a dizer quando é que os bancos gregos poderão voltar a abrir ou quando serão retirados os controlos de capital. Afirmou apenas que o pedido feito pelo banco central grego foi aceite por inteiro, embora o aumento de 900 milhões seja feito progressivamente, ao longo de uma semana. De acordo com a Reuters, a expectativa entre os bancos gregos é que a reabertura possa acontecer já na próxima segunda-feira.

Em relação aos controlos de capital, o regresso à normalidade não será certamente tão rápido. “É difícil de prever. É claramente do interesse da economia grega que estes controlos de capital durem o menor período de tempo possível, mas temos de fazer isto de uma forma em que não tenhamos o risco oposto, nomeadamente uma corrida aos depósitos”, afirmou Draghi na conferência de imprensa.

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