A noite em que os gregos aprovaram (a custo) um mal menor
Deputados ignoraram o relógio e debateram pela noite dentro antes de votarem o plano de austeridade acordado em Bruxelas para um terceiro resgate.
O debate foi fervoroso e as intervenções sucederam-se umas atrás das outras, contra o Governo, contra a Alemanha, contra os erros dos “partidos do passado”, contra a austeridade, contra o sistema financeiro mundial, contra o regresso ao dracma. O ponteiro do relógio foi avançando pela madrugada dentro. No fim, o Governo conseguiu um vitória expressiva mas dorida.
Segundo os primeiros cálculos, 229 deputados votaram a favor, 64 contra – entre eles o ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis – e seis abstiveram-se.
O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, que não tinha aparecido no plenário para defender a aprovação do plano que ninguém quer, surgiu já depois das doze badaladas para fazer um último apelo. “Não vamos fazer aos nossos adversários o favor de sermos um breve parêntesis no tempo”, disse, referindo-se ao Governo mais à esquerda da União Europeia.
Este voto era cada mais visto como um voto de confiança a Tsipras. A linha de defesa do Governo era simples: quem votar contra vai permitir que se concretize um golpe de Estado de Bruxelas provocando a queda do Governo. Quem votar a favor vai manter a Grécia na zona euro e evitar o desastre de um regresso ao dracma.
A tensão era visível no Parlamento de Atenas antes do debate. Nos corredores havia grupos silenciosos, outros a discutir exaltados. Havia muitos cigarros a ser fumados, e no meio de um destes grupos, um homem com o branco dos olhos totalmente vermelho. Na praça Syntagma, a batalha começou antes do plenário – entre grupos anti-sistema que vinham preparados e polícia artilhada. Acrescentando ainda mais uma incógnita, o primeiro-ministro pediu ao Presidente, Prokopis Pavlopoulos, para se manter no seu gabinete até tarde.
O Governo teve a difícil missão de levar os deputados a votar a favor de um acordo que todos acham mau. Admitiu-o Tsipras numa entrevista à emissora pública ERT na véspera, admitiu-o o ministro das Finanças, Euclides Tsakalotos, no início do debate, admitiu-o o ministro da Economia, Giorgos Stathakis, também no plenário.
Coube a Tsakalotos abrir o debate num tom emocionado: “Segunda-feira foi o dia mais difícil da minha vida. É uma decisão que me vai pesar para o resto da vida”, disse. E, segundo a tradução para inglês: “Não sei se fizemos o que estava certo. Mas sei que sentimos que não tínhamos outra escolha.”
Tsipras tinha dito claramente na véspera que a alternativa seria a Grécia sair do euro, e isso era ainda pior. A dada altura nas negociações, tornou-se claro que havia uma intenção real de fazer a Grécia sair do euro, disse o primeiro-ministro, levando muitos a questionar-se depois disso por que não houve preparativos para esta eventualidade. Tsipras disse ainda que encomendou um estudo sobre o cenário e que as consequências seriam demasiado pesadas para contemplar essa hipótese.
Tsipras, ao apelar à aprovação deste acordo ao seu grupo parlamentar durante a tarde, defendeu que está nas mãos dos deputados do Syriza impedir o golpe de Estado que acusa Bruxelas de preparar: se a rebelião for muito grande, esta implicará a queda do Governo. O argumento foi repetido no final do debate pelo líder do grupo parlamentar do partido, Nilos Filis, para quem, se os deputados rejeitassem o acordo estariam de facto a permitir o golpe. “Sem um governo do Syriza no poder, o plano de Schäuble será aprovado, e a extrema-direita vai ganhar.”
Panos Kammenos, dos Gregos Independentes, o parceiro de coligação do Syriza, também declarou que o seu partido teria de “votar contra a consciência e apoiar o acordo”. “Se este Governo cair hoje não haverá esperança nem para a Grécia nem para a Europa.”
Uma sondagem da véspera do instituto Kapa dizia que a maioria dos gregos estão com Tsipras: 72% queriam a aprovação das medidas, apesar de terem rejeitado um plano anterior em referendo com 61% de não. 68% defende ainda que o líder do Syriza se mantenha no cargo contra 22,6% que são de opinião que o executivo deveria ser liderado por “uma outra figura com grande base de aceitação”.
Um após outro, os partidos na oposição aproveitavam o debate para fustigar o executivo. O deputado da Nova Democracia Christos Stilousras acusou o Governo de ter uma atitude simplista nas negociações. Do mesmo partido, Kyriakos Mitsotakis disse que havia medidas alternativas a aumentar impostos. Também declarou que embora o partido aprovasse estas medidas necessárias para o acordo, não havia “maiorias a la carte” e que o seu apoio em votações seguintes não pode ser dado como garantido. “Acabaram por fazer o que estava certo”, disse ainda Mitsotakis. “Mas não esperem elogios por isso.”
O líder do partido To Potami (O Rio) Stavros Theodorakis, disse que Tsipras tem de expulsar os deputados que querem voltar à antiga moeda grega, e que tem de “acreditar na mudança e concretizá-la”. “Iremos votar ‘sim’ a este acordo embora tivesse sido possível conseguir um acordo muito melhor”, defendeu. E repetiu que o seu partido não se juntará à coligação no Governo.
Não estando presente no Parlamento, George Papandreou, primeiro-ministro que negociou o primeiro memorando, usou o Twitter para lançar a sua farpa ao executivo: “Cinco meses de ilusões e supostas negociações sem estratégia”, disse, “trouxeram enormes perdas que serão pagas pelo povo”.
Previa-se que 30 a 40 deputados do Syriza votassem contra – fazendo com que o plano fosse aprovado mas deixando o Governo dependente da oposição. Se isso tiver acontecido, o Governo ficará em causa, ainda mais com os partidos da oposição a indicar durante o debate que o executivo não poderia contar sempre com eles.
Na entrevista à ERT, Tsipras disse que era sua prioridade absoluta aprovar as medidas, e depois então discutir a situação interna. O perigo mais imediato da saída da Grécia do euro, declarou, ainda não foi afastado.
Mas com uma greve da função pública e protestos nas ruas, tudo era ainda mais difícil. Durante a tarde, o comité central do Syriza dividiu-se: 109 dos 201 membros pediram um voto não às medidas a aprovar, e ainda uma conferência de emergência nacional. Para ele, as medidas são “incompatíveis com os princípios da esquerda”.
Uma após outra, figuras do partido foram manifestando discordância. Havia quem se demitisse, como a vice-ministra das Finanças Nantia Valavani, que ainda na semana passada apoiou a negociação com os credores. “Uma coisa é enfrentar uma situação excepcionalmente difícil com esperança e um futuro de dignidade e independência”, escreveu numa carta a Tsipras. “Outra coisa é uma catástrofe que será feita com o que quer que sobre do rendimento nacional a ir para o estrangeiro para pagar uma dívida que não pode ser paga em séculos.”
A sessão acabou por ser parcialmente presidida pelo vice presidente do Parlamento, Alexis Mitropoulos, depois da Presidente, Zoe Kostantopoulou, defender que não fosse respeitado o limite da meia-noite (o que acabou por acontecer, embora não de modo planeado), e ainda aconselhasse, aos deputados do partido, o voto contra: “Temos de deixar de ser chantageados pela zona euro. Estas medidas têm de ser rejeitadas”. Na comissão que discutiu as medidas antes da votação, Kostantopoulou ainda acrescentou: “Senti verdadeira raiva quando ouvi Merkel dizer o quê e como o Parlamento grego irá votar”, disse – uma das condições do plano era que o pacote total e quatro medidas específicas fossem aprovadas esta quarta-feira e outras duas na quarta seguinte.
Para além de deixar passar o prazo da meia-noite, foi ainda feita outra alteração: a parte que descreve todo o pacote de medidas foi transformada numa declaração e não numa medida a ser sujeita a aprovação. Foi o modo encontrado para assegurar o voto favorável dos Gregos Independentes.
Enquanto isso, estava marcado o novo Eurogrupo para a manhã desta quinta-feira e sem esperar pelo que acontecia no Parlamento grego, o Parlamento francês aprovava o início das negociações do terceiro programa com a Grécia: 412 votos a favor e 69 contra.