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Para memória futura

15 de Julho de 2015: o Museu do Chiado viveu a sua quarta-feira negra.

“A espuma dos dias em Portugal parece sobrepor-se às coisas importantes”, disse o secretário de Estado Jorge Barreto Xavier à comunicação social quando esta quarta-feira chegou ao museu.

Jornais, televisões e rádios: à entrada da exposição com que inaugurou a nova ala da Rua Capelo, Barreto Xavier escolheu a máscara do cinismo. Não soube aceitar dignamente as vaias com que foi recebido. Não conseguiu sequer fingir ignorá-las. Teve de lhes mostrar desprezo. Olhou em volta a rir. E foi a rir que acenou na direcção dos artistas, galeristas, críticos, historiadores da arte e outros agentes do meio que se concentraram à porta do museu em protesto. Como se os que o apupavam fossem risíveis e não merecessem o incómodo da gravidade.

Mas quem eram aquelas pessoas que, por uma vez, recusaram franquear as portas do museu e preferiram manter-se na rua? Diletantes? Insensatos? Gente melindrada por falta de reconhecimento entre as instâncias de afirmação no meio? Não. Pelo contrário.

Raquel Henriques da Silva, ex-directora do Museu do Chiado, ex-directora do Instituto Português de Museus, actual membro da secção de museus do Conselho Nacional de Cultura. Filomena Molder, filósofa e ensaísta. Jorge Molder, ex-director do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e artista – por acaso, um artista a quem há menos de dois anos o Museu do Chiado dedicou uma exposição antológica. Vasco Araújo, que ainda no ano passado expôs também individualmente no museu. A dupla Sara & André, com o mesmo percurso expositivo recente. Mais? João Tabarra, Ana Vidigal, André Guedes, Ana Cardoso…

Podíamos continuar.  

Eram muitos? Uma centena. Talvez um pouco mais.

Nem que fosse um só deles.

É que não são os políticos que fazem os museus. Quem faz os museus são os artistas e curadores, os historiadores e todos os outros técnicos e agentes de uma vasta rede que produz, gere, interpreta, contextualiza, preserva e dá caução e visibilidade às obras de arte que depois justificam a existência dos museus. A tutela governamental da pasta da Cultura existe, em grande parte, para representar e servir esta e outras redes do sector. Infelizmente, Barreto Xavier parece ter-se convencido do contrário – parece ter-se convencido que esta rede existe para o servir ou que é um mal menor no caminho pessoal que visa traçar. Só isso justifica a tarde negra do Museu do Chiado.

Barreto Xavier riu à chegada. Voltou a rir à partida, por detrás dos vidros fumados do carro oficial que o transportou. Entre uma gargalhada e outra, a tutela permitiu que alguns dos seus convidados abrissem as janelas do primeiro andar da Rua Capelo e aparecessem nos varandins de copo na mão a escarnecer os protestantes, acicatando-os.

Foi abjecto.  

Pelo que disse e não disse, pela forma como se comportou e pelos gestos que não teve, Barreto Xavier quer fazer acreditar num fait divers – quer-nos convencer de que tudo se resumiu ao fugaz trânsito de uma nuvem decidida a ensombrar um dia de sol. O dia em que depositou no museu uma placa com o seu nome. Não é assim. Não será assim. Essa placa ficará sempre associada à quarta-feira 15 de Julho em que os artistas decidiram ficar na rua à porta da sua casa.

 

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