Futuro da Grécia e do euro mantém-se incerto
Merkel disse que não haverá “acordo a qualquer preço”. Hollande “disposto a tudo”. Resultado humilhante pode abrir crise política em Atenas.
A possibilidade de adiar uma decisão sobre um acordo para a negociação de um terceiro resgate à Grécia, para permitir que, até quarta-feira, o Parlamento grego aprovasse um primeiro conjunto de reformas — designadamente sobre pensões e a subida do IVA — chegou a estar em cima da mesa.
Mas a escassa liquidez dos bancos gregos levou Atenas, segundo fonte helénica citada pela AFP, a manifestar-se contra tal cenário porque “quinta-feira será demasiado tarde”. “Foi o presidente do BCE [Banco Central Europeu], quem o disse”, acrescentou.
Num quadro de grande incerteza, a Grécia teve um importante apoio para travar o que poderia ser uma saída temporária da moeda única, ideia alemã que começou a circular no sábado: “Não há Grexit, temporário ou não. Há a Grécia na zona euro, ou há Grécia já fora da zona euro, mas nesse caso é uma Europa que recua e que não avança mais. E isso eu não quero”, declarou François Hollande. Mas o Presidente francês não destoou do coro que reclama mais reformas da parte de Atenas.
A correspondente do The Guardian na Grécia noticiou que deputados e ministros do Syriza ficaram “estupefactos” com a dureza do documento apresentado pelos ministros das Finanças, que incluía a referida aprovação de leis sobre reformas até quarta-feira e foi recebido como “chantagem”. Um resultado que aos olhos dos gregos seja visto como humilhante dificilmente evitará uma grave crise política em Atenas.
O analista político Aristides Hatzis, citado pelo jornal britânico, deixou um aviso: “A Grécia pode dobrar-se até certo ponto. Mas depois disso, só pode quebrar. O ponto de ruptura pode muito bem chegar quando Tsipras perceber que perdeu a maioria do seu grupo parlamentar.”
Depois da tensa reunião do Eurogrupo na véspera, interrompida por volta da meia-noite, após, segundo a agência grega ANA, uma azeda troca de palavras entre Mario Draghi e Wolfgang Schäuble – “Não me tome por imbecil”, terá dito o ministro alemão – os titulares das pastas das Finanças voltaram a reunir-se na manhã de domingo. Sem grande optimismo. Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão, admitia já como “muito pouco provável” um acordo este domingo.
Da reunião-maratona do Eurogrupo acabou por sair um documento para a reunião de chefes de Estado e de Governo, para os quais a bola passava. O presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, manifestava a sua determinação em lutar por um acordo que se adivinhava difícil. “Bater-me-ei até ao último milissegundo para que haja um acordo [...] estou com espírito combativo”, disse.
Os olhares viraram-se para Angela Merkel e François Hollande, que entraram na cimeira com posições claramente divergentes. A chanceler alemã deixou claro que não haveria “acordo a qualquer preço”, o Presidente francês disse que o seu país ia “fazer tudo para chegar a um acordo” que permitisse à Grécia manter-se na zona euro.
Merkel anteviu “negociações árduas” e repetiu no mote dos que mais reservas têm colocado a um entendimento com Atenas: “Perdeu-se a moeda mais importante, a confiança”, afirmou. Hollande disse ao que ia: recusou qualquer hipótese de um Grexit temporário e deixou claro que a Europa tinha de decidir se a Grécia estará “amanhã” [hoje] no euro.
O documento enviado pelos ministros das Finanças aos líderes da zona euro, e a que o PÚBLICO teve acesso, confirma que o Euro grupo propôs um endurecimento do programa de reformas, em matérias como pensões ou o IVA. Previa também que só depois de essas medidas adicionais serem adoptadas pelo Parlamento grego — o que deveria ser feito “até 15 de Julho”, quarta-feira — fosse discutido um terceiro programa de assistência financeira à Grécia.
Segundo o documento, as instituições credoras estimam as necessidades de financiamento da Grécia para os próximos três anos em 82 mil milhões a 86 mil milhões de euros, e o programa teria de incluir uma almofada de 10 mil milhões a 25 mil milhões para recapitalizar o sector bancário.
Para os chefes de Governo foi também remetida a decisão de acatar ou não a ideia do ministério das Finanças de Berlim de transferir activos do Estado grego para um fundo externo, para serem privatizados de modo a abater dívida. Em caso de ausência de acordo o documento prevê “que sejam oferecidas à Grécia negociações rápidas sobre uma saída temporária da zona euro, com uma possibilidade de reestruturação da dívida”.
Esta passagem evidencia bem a grande influência alemã no Euro grupo, ainda que a hipótese tenha sido publicada entre parêntesis rectos — indicação de que a discussão dessa matéria, e de outras, ficaria ao critério dos chefes de Estado e de Governo.
Por fim, o documento deixou ainda em aberto a questão de uma reestruturação da dívida, ao incluir um parágrafo que diz que poderiam ser consideradas “períodos de carência e prazos de reembolso mais longos”, mas apenas no âmbito de um novo programa de resgate, como aliás já tinha sido dito pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. A discussão da reestruturação apenas teria lugar depois da primeira avaliação à execução do programa, provavelmente em Outubro.
O Grexit temporário de cinco anos — possibilidade posta pelo ministério das Finanças da Alemanha e que deixou evidentes as reservas da “linha dura” a um entendimento com Atenas — seria, segundo fontes contactadas pelo PÚBLICO em Bruxelas, uma hipótese que a Alemanha teria preparada para o caso de a Grécia reclamar um perdão de dívida.
Mas esse cenário contou com a oposição aberta de Hollande, concertada com outros líderes socialistas europeus e apoiada — segundo informação obtida pelo PÚBLICO junto de fonte diplomática em Bruxelas — pelo chefe do Governo italiano, Matteo Renzi, e até pelo vice-chanceler alemão e líder do SPD, Sigmar Gabriel. “A Grécia já fez esforços”, insistiu o Presidente francês.
Renzi, em declarações ao jornal italiano Il Messaggero, disse que é hora de “o bom-senso prevalecer e de se chegar a um acordo”. “A Itália não quer que a Grécia saia do euro, e eu digo à Alemanha que já chega!”, vincou.
Na reunião prévia que tiveram antes do Conselho Europeu, os socialistas concordaram na necessidade de um prazo mais alargado para o Governo de Atenas conseguir a aprovação parlamentar de algumas reformas — dez dias foi o tempo que consideraram razoável — e defenderam a criação de um fundo greco-europeu em que seriam colocados activos a privatizar.
Exigências “muito más”
As exigências dos ministros das Finanças foram consideradas “muito más” pela parte grega, mas o executivo de Atenas disse que se estava a esforçar para encontrar soluções, afirmou à AFP fonte governamental em Bruxelas. Há “muitas coisas difíceis para nós” na proposta que está em cima da mesa dos líderes da zona, mas, “dadas as circunstâncias”, o Governo grego quer um acordo e está confiante que poderia conseguir aprovar medidas adicionais no Parlamento.
Num encontro num intervalo da cimeira, com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, Angela Merkel e François Hollande, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, terá, segundo um membro da delegação helénica, abordado os três principais problemas que vê no documento apresentada pelo Eurogrupo: o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) — que a Alemanha quer que participe num eventual terceiro resgate —; o fundo para o qual seriam transferidos 50 mil milhões de euros de activos do Estado; e a aprovação pelo Parlamento grego de novas medidas até dia 15 de Julho.
A mesma fonte disse a um grupo de jornalistas, incluindo do PÚBLICO, que Tsipras terá insistido na urgência de obter um acordo a tempo de nesta segunda-feira o Banco Central Europeu (BCE) poder voltar a abastecer os bancos gregos com liquidez. Mas as horas passaram sem que houvesse fumo branco.
Quanto à questão do fundo para o qual seriam transferidos 50 mil milhões de activos do Estado, é um problema “muito grande” para Tsipras. “Não há 50 mil milhões de propriedade pública na Grécia”, disse.
A resposta grega à eventualidade de uma saída temporária da Grécia da zona euro — posta em cima da mesa pela Alemanha mas que recebeu uma clara oposição do Presidente francês, à entrada da reunião — “é um não absoluto”, afirmou também.