"A segunda rainha de Inglaterra"
In Memoriam de Dona Isabel Juliana de Sousa e Holstein Beck Campilho.
Misto, talvez, de Isabel I e de Isabel II; forçada pela vida a governar, em extensão plena, família e património, cultivava, na verdade, em carismático grau, a arte e a ciência de ser e de estar — por essa exata ordem. Reinava, por natureza, onde estivesse, emanando da sua perpétua afabilidade a natural auctoritas das grandes matriarcas. Era. Estava. Foi, em toda a extensão, a última representante da sua geração da família Palmela, imprimindo a essa condição uma qualidade excecional e única.
Ao invés do meu arguto amigo, apenas de curtos anos tive o privilégio de com ela me cruzar — contadas vezes. E, não obstante, como que me adotou, na sua forma chã de gostar ou não, outro tanto fazendo a vasta prole dos filhos que, em registos diversos, lhe repercutem a especial têmpera. Sabendo bem que, nessa adoção, pesa amplamente a histórica ligação familiar ao museu que dirijo (do marquês de Sousa Holstein que, em 1860, organizaria a Galeria Nacional de Pintura, embrião do MNAA, ao conde da Póvoa, que, já em 1996, viabilizou do seu bolso a edição fac-similada do álbum de Sequeira; aos próprios filhos Maria e João, unidos ao Museu, por diversos modos, em relação profissional), o certo é que me adotou (me adotaram) e desse pergaminho não abdico.
Releio agora a carta, amabilíssima, que me endereçou em março de 2013, entendendo dever formalizar o que, de viva voz, repetidamente protestara: que tudo o que era seu (e tanto era) estava inteiramente ao meu dispor (do MNAA). Como fizera já, de resto, por toda a vida, nas sucessivas exposições de Domingos Sequeira, Vieira Portuense (MNSR), Frei Carlos ou Primitivos Portugueses, para cujo brilho tanto contribuíra a sua inalterável generosidade: em puro mecenato de espírito, de genuíno apego ao serviço comum, distante nos antípodas de todo o cálculo de valorização patrimonial, de que objetivamente não necessitava.
Agora, em 2013, escrevia na sequência da mostra onde brilhava, restaurado, o esplêndido Cristo de marfim da própria capela da família, que depois viajaria até Turim, ausente mais de um ano do convívio da casa e dos seus. Obra-prima das artes da Expansão, fulgia, esplendoroso, enchendo a exposição. Para Ela, porém, brilhava imaterial, testemunha que era da sua intimidade de alegrias e tristezas. Cedê-lo ao MNAA foi, pois, o culminar simbólico dessa atitude em que sempre timbrou. Nesse Espírito se acolherá agora, certamente, em merecido fulgor. RIP.
Director do MNAA - Museu Nacional de Arte Antiga