Um ano “excepcionalmente bom” no Curtas 2015
Festival de Vila do Conde inaugura hoje com Miguel Gomes uma colheita de referência com muitos títulos em estreia.
E 2015, para o festival que abre no sábado oficialmente a sua 23ª edição no Teatro Municipal com As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes, correu excepcionalmente bem. Não só por causa do tríptico do autor de Tabu, cuja primeira projecção oficial em Portugal decorre em abertura oficial do certame (vol. 1 hoje às 17h, vol. 2 hoje às 21h30, vol. 3 amanhã às 21h30), basta mesmo dar uma vista de olhos por toda a restante programação e perceber o luxo do Curtas 2015.
O concurso nacional traz novas obras de Sandro Aguilar, Salomé Lamas, Carlos Conceição, Filipa César, Basil da Cunha ou Rodrigo Areias, e estreiam-se quatro novas curtas produzidas pelo festival. Na competição internacional marcam presença Kleber Mendonça Filho, Mark Rappaport, Sergei Loznitsa ou Frank Beauvais, enquanto a secção experimental mostra obras de Jay Rosenblatt, Ken Jacobs, Peter Tscherkassky, Edgar Pêra ou Bill Morrison. Mais a dupla formada pelo britânico Ben Rivers e pelo americano Ben Russell na galeria de arte multimedia Solar, acompanhando uma série de instalações e um programa de filmes, mais os filmes-concerto Stereo que este ano abrem com Frankie Chavez e encerram com os Lambchop, mais a retrospectiva do francês Quentin Dupieux...
O Curtinhas, o festival paralelo dedicado aos mais miúdos, dá o pontapé de saída hoje às 15h, com a projecção da longa-metragem da Ovelha Choné criada pelos estúdios Aardman (em antecipação à sua estreia nacional em Setembro).
É mesmo um ano de excepção. Mário Micaelo, que dirige o certame desde o início com Miguel Dias e Nuno Rodrigues (o quarto fundador, Dario Oliveira, encabeça agora o Porto/Post/Doc), prefere no entanto ver essa “excepção” como resultado de um trabalho a longo prazo. “É uma questão de oportunidade. Não podemos acreditar que todos os anos são de muita boa e excelente colheita”, aponta. “Mas o nosso trabalho de prospecção dos filmes mais interessantes é levado a cabo com muita persistência, muita atenção. Estamos atentos àquilo que vai aparecendo até muito próximo das datas do festival, e vamos tentando conseguir os filmes mais 'frescos'”.
É isso que explica haver poucos títulos “repetentes” das competições 2015 de festivais de peso como Roterdão, Clermont-Ferrand, Berlim ou Cannes. Ou a presença no concurso de Kung Fury, a curta muito eighties do animador sueco David Sandberg, financiada em parte através da plataforma Kickstarter, que virou sensação viral depois da sua exibição na Quinzena dos Realizadores de Cannes. “Temos a particularidade de escolher filmes que têm no máximo um ano,” diz Micaelo. “As nossas selecções incidem apenas sobre filmes extraordinariamente recentes, o que não é tão habitual em festivais congéneres.” Este ano, haverá nove programas de curtas internacionais, num total de 35 curtas a concurso, mais sessões específicas dedicadas à produção europeia (Holanda, Grécia, Roménia, Lituânia, Polónia e Eslovénia).
Mas o Curtas continua a ser identificado com a produção nacional de curta-metragem, que tem nesta semana o seu momento de maior visibilidade. Afinal, foi a partir do certame de Vila do Conde que se lançou a noção de uma nova geração de jovens realizadores – a “Geração Curtas” identificada originalmente num texto do crítico do PÚBLICO Augusto M. Seabra, aproveitada pela estrutura de agenciamento ligada ao festival, a Agência da Curta-Metragem, para um programa de divulgação internacional.
“É-nos importante conjugar uma certa dose de autores de referência com autores novos, gostamos de encontrar esse equilíbrio”, refere Micaelo sobre a presença este ano de vencedores de edições anteriores, como Basil da Cunha, Salomé Lamas ou Sandro Aguilar, ao lado de nomes mais novos como André Marques, Francisco Neffe, João Rosas ou Francisco Valente. 19 curtas de produção 2015 serão exibidas ao longo de cinco sessões (segunda, 6, a sexta, 10, sempre às 21h), completadas pelo programa de obras de escola Take One! e uma sessão de “panorama nacional” (domingo, 12, às 15h) que recupera curtas já com carreira internacional de Susana Nobre (Provas, Exorcismos), João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata (Iec Long) e Manuel Mozos (Cinzas e Brasas).
O Curtas investiu também na produção, com um programa iniciado “a sério” em 2012 na edição dos 20 anos, e que prossegue este ano com quatro novas curtas. A Glória de Fazer Cinema em Portugal, de Manuel Mozos, Vila do Conde Espraiada, de Miguel Clara Vasconcelos, Undisclosed Recipients, de Sandro Aguilar, e Noite sem Distância, do espanhol Lois Patiño, são os quatro títulos da “colheita” 2015. Exibidos em duas sessões (segunda, 6, às 22h30 para Mozos e Vasconcelos, e terça, 7, às 24h para Aguilar e Patiño), foram todos rodados ao redor de Vila do Conde, com equipas locais oriundas da estrutura de formação do festival Campus.
E a programação de filmes-concerto Stereo, “capitaneada” pelos Lambchop (que apresentam no domingo, 12, às 22h, a sua criação para o inédito do americano Bill Morrison The Dockworker's Dream) arranca já hoje a seguir aos dois primeiros volumes das Mil e Uma Noites, com Frankie Chavez a musicar o western mudo de Allan Dwan com Douglas Fairbanks The Good Bad Man, a partir da meia-noite.
Mário Micaelo não esconde o orgulho pelo programa de 2015: “O nosso festival é conhecido por ser, como dizem os franceses, pointu – mostra um tipo de cinema mais arrojado, mais arriscado, mais inventivo. E este ano conseguimos um óptimo leque de filmes. Não é fácil, o leque de escolhas a cada ano é muito maior e a quantidade de filmes de grande qualidade é enorme. É aí que marcamos a diferença.”
O programa e horário completo do Curtas 2015 pode ser consultado aqui.