Na batalha do "oxi" e do "nai" joga-se o futuro da Grécia

Em discursos feitos de sinfonias, trapézios e pragmatismo, todos os dias Tsipras diz que a pergunta é sobre a proposta das instituições, e todos os dias a oposição repete que caso vença o "não" a Grécia sai do euro.

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O "sim" é defendido pelas associações de empresários, o "não" pelos sindicatos SAKIS MITROLIDIS/AFP

A pergunta do referendo ("dimopsifisma") é se a oferta feita pelas instituições deve ou não ser aceite. Mas há outra palavra omnipresente: pragmatika. Não é nenhum apelo ao pragmatismo; quer dizer "realmente". E é também aqui que os dois campos lutam: o que realmente está em jogo?

Uma vitória do "não" quer dizer que a Grécia sai do euro ou até da União Europeia, ou que os eleitores recusam a proposta das instituições? Uma vitória do "sim" significa a queda do Governo e um provável regresso do executivo anterior, ou que os eleitores aceitam um plano da troika para a Grécia?

Para o Syriza, o partido do primeiro-ministro Alexis Tsipras e maior voz da campanha do "não" ("oxi", diz-se "ochi"), joga-se a hipótese de obter mais força negocial para um acordo melhor. Em Atenas, foi o "não" quem começou mais visível, com cartazes nos postes de electricidade ("'não' pela democracia e dignidade", as palavras-chave) e flyers nos pára-brisas de automóveis e um quiosque na Praça Syntagma.

No entanto, o "sim" ("nai", pronuncia-se mais ou menos como "né") está a ganhar terreno nos media e nas redes sociais. Reúne o consenso dos partidos pró-europeus, ou seja, da Nova Democracia (conservador), do antigo primeiro-ministro Antonis Samaras; do To Potami (O Rio); e do Pasok (partido socialista). Na televisão, os presidentes de câmara das duas maiores cidades gregas, Atenas e Salónica, dão a cara pelo "sim". Em causa está, consideram (apoiados por declarações de responsáveis europeus), a permanência da Grécia na União Europeia.

Mas os políticos da Nova Democracia e do Pasok são cada vez menos populares, e o Potami é um partido pequeno. Tentando desvincular-se dos políticos, especialmente dos partidos que ocuparam os últimos governos, um movimento de cidadãos começou a campanha "Sim pela Europa". "Esta é a questão que vai definir o caminho e o futuro de gerações inteiras, assim como a substância da Grécia como um país moderno", disseram num comunicado, depois de se apresentarem na rádio Atenas. Para sublinhar este ponto, num anúncio do "sim".

O "sim" tem ainda o apoio de organizações de empresários e de turismo – é lá que se desenrola, aliás, um esforço de campanha para ajudar gregos afectados pelo controlo de capitais: uma das iniciativas é um site para comprar bilhetes de avião para gregos que, estando no estrangeiro com contas nacionais, não conseguem regressar.

A campanha a favor do acordo apresenta o cenário de pesadelo: um "não" teria consequências imediatas para além do prolongamento do encerramento dos bancos e controlo de capitais, como falta de bens essenciais, medicamentos, até comida.

Preferia cortar um braço
Por outro lado, o "não" está a jogar com o facto de a maioria dos gregos não querer o regresso dos partidos que antes ocuparam o Governo. O facto de Tsipras já ter dado a entender que se demitiria se vencesse o "sim", e de o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, ter assegurado que faria o mesmo de um modo directo ("preferia cortar um braço do que aceitar um mau acordo", disse), fazem com que esta pergunta tenha outra consequência: quem vota "sim" sabe que deverá estar a eleger novamente Antonis Samaras para primeiro-ministro em eleições que seriam marcadas dentro de 30 dias.

O primeiro-ministro grego repete quase todos os dias que não está em causa sair do euro ou da União Europeia, e ainda esta quinta-feira voltou a dizer o mesmo numa entrevista. E todos os dias, alguém repete o contrário: o antigo primeiro-ministro Costas Karamanlis pediu aos eleitores para "afirmarem com determinação" que o país é "parte inseparável da Europa" votando "sim" (analistas já especulam que o antigo chefe de Governo que antecedeu a Papandreou, que acumulou grande dívida e que se tem mantido afastado do debate público, poderá estar a posicionar-se como um possível chefe de Governo caso vença o "sim").

O líder do To Potami, Stavros Theodorakis, desafiou Tsipras para um debate televisivo sobre "euro ou dracma". Não vai haver um debate antes do referendo.

Um outro protagonista está a surgir neste referendo: as televisões gregas. As emissoras privadas são detidas por grupos com interesses (empresários do sector da navegação ou futebol) e foram um dos primeiros alvos da legislação do Governo de Tsipras, que começou a cobrar licenças de emissão.

Análises do tempo dado à cobertura das últimas duas manifestações mostram um favorecimento inequívoco de um dos campos: a manifestação do "não" foi mencionada num total de oito minutos e 33 segundos em seis canais (um público e cinco privados) e a do "sim" do dia seguinte em 47 minutos e 13 segundos nos mesmos canais.

O "sim" é ainda defendido pelas associações de empresários, o "não" pelos sindicatos. Esta divisão é espelhada no que se vê nas concentrações do "sim", em que há laca em cabelos e pólos Lacoste, e nas manifestações do "não", em que os cabelos estão mais desalinhados e há algumas "barbas revolucionárias". (Num pormenor que só poderia acontecer na Grécia, o Partido Comunista, que sempre recusou os memorandos, não consegue fazer campanha do mesmo lado dos seus rivais de esquerda do Syriza, e assim apela ao voto nulo. Esta quinta-feira fez a sua própria manifestação).

Os dois campos vão fazer os seus comícios finais na sexta-feira, com duas concentrações muito perto. Uma será em Syntagma, em que vai falar Alexis Tsipras, e outra não muito longe, no estádio antigo.

Tudo na zona em que esta quinta-feira de manhã um pequeno grupo retirou a bandeira do gabinete do Parlamento Europeu em Atenas, regou-a com gasolina e queimou-a no meio da rua – para satisfação dos jornalistas e turistas presentes. Em substituição do pano azul com estrelas, ficou um poster do "não".

Com a sociedade extremamente dividida e polarizada, há quem resuma a escolha perante os gregos de outro modo. No seu blogue, chamado Irate Greek, uma eleitora que já se arrependeu de ter votado no Syriza diz: "A escolha que está a ser posta aos gregos tornou-se, muito simplesmente, se querem uma morte rápida e violenta, ou uma morte lenta e dolorosa."

Quanto ao resto, resume: "Um referendo anunciado para dali a nove dias com uma oferta que já não existe é uma farsa, pior quando é anunciado como uma ferramenta de negociação", diz, criticando o Governo. Por outro lado, o melhor exemplo de desrespeito pela democracia "é dos media detidos pelos oligarcas, que lançaram uma campanha de medo sem precedentes".

Assim, para ela, a primeira vítima do referendo foi, "ironicamente, a democracia".

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