Televisões, lojas e artistas boicotam Donald Trump por declarações xenófobas
O candidato à presidência dos EUA chamou "traficantes, assassinos e violadores" aos imigrantes ilegais da América Latina, mas sobe nas sondagens e torna-se um problema para o Partido Republicano.
A maior subida nas sondagens coincidiu com a alienação de uma fatia importante do eleitorado, os hispânicos. No programa State of the Nation, da CNN, Trump fez o diagnóstico dos principais problemas do país e concluiu que, no topo da lista, está a imigração ilegal que entra pela fronteira mexicana. "Eu gosto do México. Eu gosto do povo mexicano. Faço negócios com mexicanos. Mas há pessoas, vindas de todos os lados, a entrarem por lá. E são maus. São mesmo maus", disse. "Há gente a chegar, e não estou a dizer que são só mexicanos, que são traficantes, assassinos, violadores."
Não são só mexicanos os que entram nos EUA pela fronteira Sul, mas são sobretudo eles. Como não são só os mexicanos que compõem a comunidade hispânica, que forma já um terço da população dos Estados Unidos, está a crescer e são uma fatia importante do eleitorado — tão importante que é cortejada por todos os que aspiram chegar à Casa Branca, republicanos e democratas.
Porém, foi do México que veio a maior indignação pelas palavras de Trump. O Governo mexicano fez um protesto oficial, o empresário Carlos Slim (a segunda pessoa mais rica do mundo) fez um protesto e surgiram tantos apelos na comunidade para um boicote a Trump que este se materializou. E se, para já, a "simpatia" de Donald Trump não parece estar a fazer grande mossa na sua persona política, está a causar enormes prejuízos ao empresário.
Na semana passada, a Univision, líder de audiência entre a população hispânica dos EUA, anunciou o boicote aos concursos Miss USA e Miss Universo (que Trump produz). A NBC Universal — que tem uma aliança com a Telemundo, a segunda televisão hispânica — pôs fim às relações comerciais com as empresas Trump, o que compromete a continuação do programa O Aprendiz, e Slim fechou as portas da sua Ora TV às organizações do magnata americano.
Várias estrelas do mundo latino anunciaram também a sua ruptura com o empresário. O cantor porto-riquenho Ricky Martin cancelou um torneio de golfe de caridade que estava a organizar num campo Trump; a actriz mexicana Salma Hayek considerou-o racista e a cantora colombiana Shakira denunciou o "discurso odioso" e a "ignorância" de Donald Trump nas suas contas no Twitter e no Facebook.
Um último golpe para o bolso — e para o ego — do candidato: a cadeia de lojas Macy's rompeu a sua associação com o empresário e deixa de vender a linha de vestuário Trump, composta de camisas, calças, blazeres, botões de punho... tudo o que um homem precisa para replicar The Donald, como é conhecido desde que fez fortuna na construção civil em Nova Iorque.
Claro que não foi apenas a xenofobia do candidato que motivou todo este boicote. Os hispânicos, juntamente com os chineses e os afro-americanos — dizem as estatísticas federais — são as comunidades que mais estão a fazer crescer o consumo nos Estados Unidos. E as empresas não querem perder consumidores e dinheiro. Atenta a este fenómeno, por exemplo, a Macy's lançou este ano uma colecção de roupa low cost com o nome de uma estrela mexicana, a actriz de telenovelas e cantora Thalia.
O empresário Donald Trump, como se previa, respondeu aos ataques. Processou a Univision, a quem exige 500 milhões de euros por quebra de contrato e acusa de perseguição política e limitação de liberdade de expressão. Estuda fazer o mesmo com a NBC.
Já Donald Trump o político, manteve as polémicas declarações e prometeu que, se for eleito Presidente, construirá um muro longo, a acompanhar toda a fronteira, para não deixar entrar os traficantes, assassinos e violadores. Uma linha de pensamento que, explica o jornal The Washington Post, se por um lado afasta os hispânicos, por outro atrai a população branca que se reconhece no discurso anti-imigração e com outras frases de Trump sobre a salvação dos produtos "made in USA" e o proteccionismo económico.
A polarização que Trump provoca na sociedade americana reproduz-se no Partido Republicano, que quase sete anos depois da última grande derrota eleitoral — as presidenciais de 2008, ganhas pelo democrata Barack Obama —, e quando falta pouco mais de um ano para a escolha de um novo Presidente, ainda tenta recompor-se e encontrar um caminho. Apesar das vitórias nas legislativas, que lhe deram o controlo do Senado e do Congresso, o partido está disperso e as facções rivais e antagónicas digladiam-se. Está em mau estado perante os democratas, que se mostram mais agregados e, para já, têm apenas um "cabeça de lista" às presidenciais, Hillary Clinton.
O Partido Republicano tem muitos candidatos, vários favoritos e, desde o mês passado, tem um candidato "tóxico", Donald Trump, como lhe chamou o jornal The Washington Post, porque não é controlado por qualquer das facções.
Esta não é a primeira vez que Trump anuncia uma candidatura à Casa Branca. A ideia surgiu-lhe em 1988, contou a vários jornais; em 2000 desistiu logo a seguir a ter feito uma declaração de intenções; em 2004 optou por se concentrar na diversificação dos negócios e criou O Aprendiz e a linha de vestuário; e em 2012 ficou-se pelo desejo, apesar de ter garantido em entrevistas que se tivesse avançado teria "vencido Obama com facilidade". O jornal USA Today resume que "a história das candidaturas de Donald Trump é uma história de não candidaturas".
Agora que avançou, está bem posicionado nas sondagens. No Iowa (onde, no início de 2016, os partidos dão início à votação para a escolha do candidato entre todos os concorrentes) vai em segundo lugar, e no New Hampshire também — os dois estados são considerados barómetros da eleição presidencial que se realiza em Novembro de 2016.
Perante estes resultados, é legítimo perguntar ao Partido Republicano que planos tem para este candidato. O estratega democrata David Axelrod, que trabalha com Obama, diz que urge "criar uma estratégia" para Trump, de forma a controlar o seu discurso e capitalizar a sua popularidade em vários segmentos do eleitorado.
Porém, e pelas palavras do líder do Comité Nacional Republicano, Reince Priebus, o partido parece apostado em deixar passar o tempo, esperando nova desistência do candidato. "Nós não escolhemos as pessoas que se candidatam", disse Priebus admitindo que Trump "não está a ajudar" o partido, que tenta dar uma imagem de diversidade.
Mas há sectores que acolhem bem as ideias e a personalidade de Donald Trump. Ted Cruz, o candidato favorito do movimento radical Tea Party, disse que Trump foi "fantástico" ao falar de imigração e que só disse "a verdade".
No campo do adversário, os estrategas de Clinton já incorporaram as frases de Trump nos discursos de campanha. Mas não dizem se este é ou não um candidato a recear. Para a opinião pública, os democratas estão concentrados em fazer passar uma só mensagem sobre ele: tratá-lo como uma piada eleitoral mas sublinhando as suas frases mais extremistas, o que é também uma maneira de acirrar as divisões entre os republicanos.
"Sou uma pessoa de fé e, por isso, acho que a entrada de Donald Trump nesta corrida só pode ser atribuída ao facto de o bom Deus ser um democrata com sentido de humor", disse ao Post Paul Begala, estratega a trabalhar para Hillary Clinton.