Atenas mantém referendo e apelo ao “não”, Bruxelas espera pelo resultado

Os gregos vão mesmo ser chamados a votar, mas estão divididos e é provável que assim continuem. Eurogrupo recusa negociar sem conhecer o resultado da consulta, Tsipras garante que a Grécia não vai sair da zona euro.

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A faixa onde se lia "não à chantagem, não à austeridade" a ser retirada por funcionários do Ministério das Finanças em Atenas Yannis Behrakis/Reuters

Os eleitores já ouviram que para os presidentes do Eurogrupo e do Conselho Europeu, assim como para os principais chefes de Governo da União Europeia, como a chanceler Angela Merkel ou o primeiro-ministro Matteo Renzi, uma vitória do “não” equivale à saída da Grécia da zona euro. Para os líderes gregos, o Governo do Syriza eleito em Janeiro, quer dizer precisamente o contrário.

Numa intervenção televisiva antes do início da segunda reunião do Eurogrupo em dois dias, Alexis Tsipras garantiu que "o "não' não significa uma ruptura com a Europa, mas sim um regresso à Europa dos valores” e “uma forte pressão" sobre a troika. O primeiro-ministro voltou a acusar os credores de estarem a “chantagear” os gregos para votarem “sim” com falsas ameaças.

Os ministros das Finanças que se prepararam para começar a debater a nova proposta de Tsipras, que envolve um terceiro empréstimo e a renegociação da dívida, descreveram a reacção às suas palavras com termos como “choque” ou “raiva”. O ministro belga, Johan Van Overtveldt, citado pela Financial Times, afirmou que o discurso de Tsipras deixou o Eurogrupo “muito aborrecido”, num misto de “zanga e desilusão”.

Em Bruxelas, a correspondente do diário grego Kathimerini Eleni Varvitsiotis resumia de forma parecida a reacção ao “discurso desafiador” de Tsipras. “Quaisquer esperanças que o primeiro-ministro grego anulasse o referendo desapareceram”, escreveu no Twitter. “Os responsáveis europeus não sabem se devem rir ou chorar. A atmosfera é muito pesada.”

Entretanto, em Atenas, uma faixa onde se lia “Não à chantagem, não à austeridade” aparecia pendurada na fachada do Ministério das Finanças. O ministro, Yanis Varoufakis, apressou-se a esclarecer que não tinha sido uma iniciativa sua. "Não em meu nome. A dita faixa foi a iniciativa dos sindicalistas – que não pediram a autorização do ministério."

De acordo com o Financial Times, a última proposta enviada por Tsipras, na noite de terça para quarta-feira, incluía as modificações no IVA exigidas pelos credores, pedindo-se apenas uma redução especial de 30% para as ilhas gregas. Nas pensões, reclamava-se o adiamento para Outubro do processo de alterações com vista à passagem da idade de reforma para os 67 anos em 2022. Por fim, admitia-se que a contribuição especial de solidariedade para pensionistas mais pobres fosse progressivamente retirada até 2019, mas de modo mais suave do que o reclamado pelos credores.

"Houve propostas das autoridades gregas para modificar as propostas das instituições", afirmou o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, mas "tendo em conta a situação política, a rejeição das últimas propostas, o referendo que terá lugar no domingo e a recomendação do Governo grego a favor do 'não', não vemos qualquer base para haver mais negociações."

Não restavam dúvidas, mas Dijsselbloem decidiu ainda assim enviar uma carta a Tsipras já à noite, reafirmando que o pedido de Atenas para um terceiro empréstimo só será considerado “depois do referendo de domingo e com base no resultado” da consulta. Merkel já dissera o mesmo de manhã, no Bundestag, sendo seguida pelo presidente do Conselho Europeu. "A Europa quer ajudar a Grécia, mas não se pode ajudar ninguém contra a sua vontade", afirmou Donald Tusk.

Zona euro
O único líder europeu que continuou a apelar a negociações até poucas horas da reunião foi o Presidente francês, François Hollande. O socialista pediu um acordo "de imediato" e acrescentou que não pode continuar-se a “adiar” um compromisso. Terminou com um apelo: “Como europeu, não quero a dissolução da zona euro.”

Segunda-feira, também Merkel afirmou que “se o euro falha é a Europa que falha”. Mas a chanceler alemã garante, ao mesmo tempo, que a União está “suficientemente robusta” para que uma saída da Grécia não ameace outros países nem a própria moeda única.

Já depois de terminada a reunião do Eurogrupo, onde participou por teleconferência a partir de Atenas, o ministro das Finanças explicava num texto no seu blogue as razões do referendo e os argumentos para um voto no “não”. Varoufakis afirma que desde o anúncio do referendo, “os responsáveis europeus enviaram sinais que estão prontos para discutir a reestruturação da dívida, o que mostra que a Europa oficial também diria ‘não’ à sua oferta ‘final’”.

“O futuro exige uma Grécia orgulhosa dentro da zona euro e no coração da Europa. O futuro exige que a Grécia diga um grande “não” no domingo, que permaneça na zona euro e que, com o poder que este ‘não’ dará ao Governo, a dívida pública grega seja renegociada, assim como a distribuição dos custos” da crise, defendeu ainda Varoufakis. “Segunda-feira, haverá dinheiro nas caixas multibanco” da Grécia, garantiu aos gregos.

Defendendo que “as negociações chegaram a um impasse porque os credores recusaram reduzir” a “dívida pública grega” e insistiram que esta “tem de ser paga pelos membros mais fracos da nossa sociedade, as crianças e os seus avós”, Varoufakis lembrou que “o FMI, os EUA, muitos governos por todo o mundo e a maioria dos economistas acreditam que a dívida tem de ser restruturada”.

Chantagem e culpados
O ministro insiste que a Grécia “vai ficar no euro” e que “os depósitos estão seguros”, pedindo aos gregos que percebam que “os credores escolheram a estratégia da chantagem com o encerramento dos bancos”.

“Estou completamente consciente das dificuldades. Obrigaram-nos a encerrar os bancos em resposta à convocatória do referendo, num clima de grande asfixia económica”, dissera já Tsipras. “Mas o controlo de capitais é temporário e não se vão perder salários nem pensões, tal como estão garantidos os depósitos de quem não levantou o seu dinheiro.”

A insistência de Tsipras e Varoufakis em acusarem os credores de “chantagem” exasperou Berlim e resultou num subir de tom do ministro das Finanças alemão, Wolfang Schäuble, pelo menos face à contenção que Merkel tem tentado demonstrar. “A Grécia está numa situação difícil apenas por causa do comportamento do Governo grego… Procurar culpados fora da Grécia pode ser útil na Grécia mas não tem nada a ver com a realidade", afirmou Schäuble.

Sondagens e o Syriza
Desde segunda-feira que cada grego só pode levantar 60 euros por dia nas caixas de multibanco. Quarta-feira, as agências abriram e os pensionistas fizeram fila para poderem finalmente levantar 120 euros das suas contas.

Uma sondagem publicada pelo diário Efimerida Ton Syndakton (de esquerda) diz que se as eleições fossem hoje, o "não" teria 46% dos votos e o "sim" 37%, com 17% de gregos ainda indecisos. Espera-se que o "sim" suba nos próximos dias, à medida que as pessoas continuem a sentir os efeitos do controlo de capitais - um grupo de reformados já se manifestou em frente ao Ministério das Finanças. Horas mais tarde foi divulgada uma nova sondagem, do instituto GPO, dando o “sim” à frente nas intenções de voto com 47% e o "não" com 43%, com apenas 6% a declararem-se indecisos.

Entre a oposição grega, há quem sublinhe divisões no Governo e apresente a estratégia de Tsipras como uma fuga para a frente para evitar uma divisão do Syriza, explicando que 15 a 50 deputados de um grupo parlamentar de 149 poderiam votar contra o Governo caso as propostas dos credores tivessem sido levadas ao Parlamento. 

"No cenário de vitória do 'sim', Tsipras demitir-se-ia, haveria eleições em 30 dias, e ficaria líder da oposição, um poderoso líder da oposição, uma posição que lhe convém", disse ao PÚBLICO Panagiotis Karkatsoulis, deputado do pequeno partido pró-europeu To Potami (O Rio), argumentando que, neste momento, Tsipras não controla o seu partido.

 

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