Portugal prepara-se para o “contágio político” da Grécia

Enquanto os governos europeus preparam planos de contingência e fazem apelos à negociação, em Portugal o Governo diz-se "tranquilo" e o Presidente não parece acreditar num acordo.

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Passos Coelho DANIEL ROCHA

No momento em que Portugal volta a aparecer nos radares dos analistas financeiros como a “peça seguinte no dominó” e a queda do índice bolsista português foi a maior em toda a Europa, o Governo tenta desdramatizar. “Com todo o respeito, não há qualquer comparação entre a situação de Portugal e da Grécia”, repetiu Paulo Portas, na manhã de segunda-feira, na sua intervenção na conferência Caixa 2020 – Serviços, Comércio e Restauração, no Estoril. A agenda do Governo não foi beliscada pela crise europeia. Pedro Passos Coelho foi como previsto à cerimónia da “renovação da parceria entre a empresa Bosch e a Universidade do Minho”, em Braga. E foi aí que comentou, pela primeira vez no dia, a evolução da crise.

Salvaguardando que “ninguém pode dizer que está imune” a um problema destes, Passos garantiu que, “do ponto de vista financeiro, Portugal não é apanhado desprevenido”. Embora admitindo que a saída da Grécia do euro é hoje mais provável do que no passado, Passos afirmou que a prioridade europeia deve ser a de “reforçar a coesão dos países que compõem hoje a zona euro” e que, ao mesmo tempo, “a Grécia possa encontrar uma saída para o seu problema”. De seguida, o primeiro-ministro viajou para Viseu onde jantou com empresários da região no Solar do Vinho do Dão.

O Presidente da República, Cavaco Silva, também manteve a sua agenda – que neste caso se aproximava um pouco mais da questão do momento. O seu “roteiro para uma economia dinâmica” passou por Paços de Ferreira, e foi aí que Cavaco falou sobre a crise que abala a Europa. O Presidente português destoou do tom optimista que os líderes europeus adoptaram para esta segunda-feira. Desde logo, por se mostrar razoavelmente descrente num desfecho positivo: “Gostaria que houvesse entendimento, acreditar é diferente.” Depois, por considerar que o Governo grego não negociou como devia, disse: “Há muito que pensava, pela forma como os gregos estavam a negociar, que as coisas iam acabar mal.” E, por fim, na mais surpreendente das suas declarações, o Presidente deixou a ideia de que uma eventual saída da Grécia não significa um desaire da moeda única ou do projecto europeu: “Penso que o euro não vai fracassar, é uma ilusão o que se diz. A zona do euro são 19 países, eu espero que a Grécia não saia, mas se sair ficam 18 países.”

A pouco mais de três meses das eleições legislativas portuguesas, os principais dirigentes parecem temer outro contágio da crise do euro: o efeito político. Esse não é um exclusivo nacional – o que aliás ajuda a explicar muito do ambiente no Eurogrupo. Os argumentos já estão preparados há muito tempo, mesmo antes de se terem interrompido as negociações entre Atenas e as instituições credoras internacionais. E são simples. Se as negociações satisfizerem algumas pretensões anti-austeridade da Grécia, os partidos do Governo, PSD e CDS, ficam na difícil posição de explicar por que defendem o caminho dos cortes e do aumento de impostos. Se o caos se instalar em Atenas, e a Grécia acabar por sair do euro, sem qualquer tipo de “almofada” e com uma crise social e económica, é a maioria que tem o argumento de peso: não há alternativa. Isto, se a hipótese “Grexit” não trouxer ondas de choque à economia nacional…

Entre quem defende abertamente a posição do Governo grego (Bloco e, de uma forma mais subtil, o PCP) e quem diaboliza a estratégia de Tsipras e Varoufakis (PSD e CDS) está um salomónico PS. António Costa tem tentado uma posição de distância quer da política de austeridade, quer dos métodos do Siryza. “É urgente substituir o confronto entre posições radicais por uma negociação construtiva”, afirmou o líder socialista. “O insucesso das negociações entre o governo grego e os parceiros europeus não é uma boa notícia para a União Europeia. E suscita legítima preocupação a quem tem uma postura responsável perante os riscos que comporta para a confiança no euro. O interesse nacional, o interesse das famílias e das empresas portuguesas, é fortalecer a zona euro”, defende Costa.

Por outras palavras, Porfírio Silva, do secretariado nacional do PS, exprimiu a mesma ideia: “O que precisamos é de um caminho, um caminho que recusa o pensamento único. Recusar a tese de que quem está na Europa tem de seguir a 'austeridade expansionista'. Recusar, concomitantemente, a tese de que, para fazer uma política alternativa, é preciso sair da Europa (ou sair do euro). Essas duas teses têm algo em comum: aceitam que na Europa só é possível o pensamento único. E isso é inaceitável para um democrata: em democracia tem sempre de haver escolha.”

Do lado dos que atribuem a responsabilidade por esta crise às instituições europeias (Comissão e BCE) e FMI, está o Bloco de Esquerda. Apesar das dúvidas que mantém sobre uma hipotética concessão de Tsipras às “reformas” exigidas por Bruxelas, Catarina Martins voltou a afirmar que, “se hoje não há acordo na Grécia, isso deve-se à irresponsabilidade dos governos e da Comissão Europeia, que consideram que podem empurrar um país para fora do euro para tornar a austeridade como única política na Europa”. No mesmo sentido, o Comité Central do PCP “condena o processo de ingerência e chantagem da União Europeia e do FMI contra o povo grego e as suas opções”.

Seja qual for o resultado do referendo grego, no próximo domingo, e o desfecho de uma crise – institucional, política, financeira... – que se arrasta há cinco anos, esta será a segunda vez que Portugal se prepara para escolher um Governo sob a ameaça da instabilidade da moeda única europeia. Por isso, em certa medida, Portugal continua a temer que o que se passa na Grécia seja a imagem do seu próprio futuro numa estranha, e repetitiva, bola de cristal. Aquela onde os 177% da dívida pública grega face ao PIB não se distancia assim tanto dos 130% de Portugal, aos olhos dos analistas dos mercados.

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