“Hipertensão fiscal”

A hora de chegar a casa ao fim do dia e abrir a caixa do correio causa grande ansiedade e temor. Há uma “hipertensão fiscal” instalada.

Este homem de 60 anos tem vindo a verificar uma subida progressiva da sua pressão arterial ao longo dos últimos três anos, apesar de estar medicado e dos habituais cuidados com a alimentação. Quando investiguei novamente a sua história clinica, verifiquei que o stresse a que estava permanentemente submetido podia ser a razão principal para o problema de hipertensão. Segundo contou, lidava diariamente com múltiplos problemas na empresa, com a Segurança Social e sobretudo com a Autoridade Tributária. Quando lhe disse que ele tinha uma hipertensão essencial, ele respondeu que tinha era uma “hipertensão fiscal”.

Ora esta resposta pôs-me a pensar neste problema, que é de facto um problema comum ao qual devemos estar atentos. Em Portugal até há algum tempo, e segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia, existiam dois milhões de hipertensos e destes 50% sabem que a têm.

A hipertensão arterial é uma doença na maior parte dos casos sem sintomas. Define-se como uma subida acima dos valores normais da pressão do sangue dentro das artérias. O perigo desta doença é o aumento do risco de acidentes vasculares cerebrais, rutura de aneurismas, doença cardíaca, enfarto do miocárdio e outras lesões, em órgãos vários, aliás, em quase todos.

Este termo parece resultar da analogia com a tensão excessiva provocada pelo stresse à reação a uma situação de perigo ou de grande animosidade. Não vamos aqui falar dos diversos tipos de hipertensão e quais os factores mais relacionados ou quais as graves lesões que provocam.

Sem querer entrar em detalhes, digamos que o sistema nervoso simpático é responsável pelo aumento temporário da pressão arterial quando o organismo reage a uma ameaça. O sistema nervoso simpático diminui também a eliminação de sal e água, produz a libertação de hormonas (adrenalina, por exemplo) que estimulam o coração e os vasos. Há depois toda uma cadeia de acontecimentos que leva à deterioração de vários órgãos que seria fastidioso aqui explicar. O stresse é uma ameaça ao organismo e autores como Selye mostraram que causa grandes alterações orgânicas a nível sanguíneo, metabólico, diminuição das defesas do organismo, por exemplo.

Além das múltiplas situações relacionadas com o trabalho, há problemas sociais, familiares, a própria crise, e casos há em que vários factores de stresse se combinam podendo originar uma verdadeira “doença social”.

No que toca a problemas com a Segurança Social ou com a Autoridade Tributária, se na maioria dos casos as pessoas não pagam porque não tem dinheiro, casos há em que já pagaram e ficam agora de provar que já o fizeram causando nova forma de stresse, que inclui até a raiva. Nestes casos não é possível adotar uma das regras fundamentais para combater o stresse, a regra número três – aprender a dizer não. A regra número três diz: “não vá contra a sua natureza”. Se o confrontam com um pedido exagerado, recuse-se a cumpri-lo. Também a regra número sete – “aprenda a relaxar-se” -, aqui não funciona.

Tenho-me apercebido que são vários os doentes que sigo na consulta que entram neste grupo de problemas, alguns dos quais estão até num patamar mais grave de perturbação psíquica com quadros maníacos, depressão ou até obsessivos.

Como já alguns mencionaram, a hora de chegar a casa ao fim do dia e abrir a caixa do correio causa grande ansiedade e temor. Há uma “hipertensão fiscal” instalada. O meu receio é que seja um paradigma para ficar.

Cirurgião Cardiovascular

Sugerir correcção
Ler 5 comentários