“Deve estar a falar com o único grego que depositou dinheiro no fim-de-semana”
Quando se aproxima o referendo de domingo, muitos gregos acham que não dominam o jogo político que sentem estar acontecer. Apesar das restrições nos bancos, há quem faça uma vida quase normal.
No bairro turístico de Plaka, o dia começava e alguns turistas americanos nos multibancos pareciam mais preocupados do que os gregos que lhes vendem os souvenirs. Mas soube-se entretanto que as contas estrangeiras não estavam sujeitas aos limites de levantamento de 60 euros diários como as contas gregas, e que os estrangeiros podem usar cartões de crédito ou débito sem limites.
“Estou supostamente de férias, não devia estar a preocupar-me”, diz Frank nos decibéis e sotaque que denunciam de onde é antes de dizer – “US of A!”. “Ontem apanhei um susto com os bancos, mas já passou. Agora espero que não haja mais nada!”
Apesar de muitas pessoas estarem descontentes, as filas nos multibancos de Atenas diminuíram. E há uma série de pessoas que estão determinadas a não se deixar afectar.
“Deve estar a falar com o único grego que depositou dinheiro no fim-de-semana”, comenta George Xenakis, 48 anos (“faço 48 amanhã”, especifica), grego nascido na Austrália que trabalha numa loja de relógios. “Não gosto desta atitude de galinha em cima dos ovos”, diz. “O dinheiro estar no banco ou no meu bolso vale a mesma coisa se voltar o dracma ou se continuarmos no euro. Por isso tinha dinheiro a mais aqui da loja, e estive na fila para depositar. Também não era muito, eram 150 euros”, comenta.
Não foi uma acção propositada, com um objectivo político. Foi o que faria normalmente – e George faz um esforço por continuar assim. “Não soube que os bancos iam fechar até hoje. Claro que podia imaginar que isso ia acontecer, mas só hoje, quando me sentei a beber o café e abri o jornal, é que vi.” Desde 2010 que evita notícias: “não quero ficar deprimido”.
Há quem ache que levantar dinheiro é uma opção política, especialmente desde que o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, pediu calma nos próximos dias. Há rumores de que alguns bancos podem abrir para os idosos levantarem as suas pensões (muitos não usam cartão multibanco), outros de que os bancos vão abrir já amanhã, ou na quinta-feira.
Alguém criou um evento no Facebook de pessoas a dizer que vão depositar dinheiro, mas não é claro se era uma brincadeira (muitos gregos mantém o sentido de humor) ou um verdadeiro repto.
Chuva? A culpa é de Tsipras
Num café numas escadinhas perto da Acrópole, três amigos discutem animadamente. Ouvem-se algumas palavras – euro, Varoufakis… Não se importam muito de ser interrompidos com perguntas – aliás, até talvez seja melhor. “Estávamos a falar de política e já nos estávamos a chatear”, resume Elena, que trabalha numa organização não governamental (prefere não dizer qual).
Nenhum dos três levantou dinheiro a mais para esta semana – “nenhum de nós tem!”, dizem a rir. “Mas se tivesse não tirava”, diz Elena. “Sinto que é um dever não estar a levantar o dinheiro agora que o Governo precisa. E o que acontecer vai acontecer de qualquer modo, esteja lá o dinheiro ou esteja em casa”, resume. O limite de 60 euros é perfeitamente aceitável para eles. “Como se fossemos levantar mais…”
Elena e a amiga Eliana, ambas na casa dos 30, vão votar “não” ao plano dos credores no referendo. As consequências do “não” querem dizer coisas diferentes conforme com quem se fala. Elena e Eliana acham que apesar de isto poder trazer como resultado o fim da Grécia no euro (como disse o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker), também acham que isso pode não acontecer – enquanto o amigo, que prefere nem dar o primeiro nome, vai votar “sim”, porque acha que se o “não” vencer a Grécia vai mesmo sair do euro, da União Europeia, e aí é que vai ser uma tragédia. Os três recomeçam a discutir, desta vez sobre se a situação pode ainda piorar.
Se há analistas a perguntar se os gregos se vão revoltar contra o Governo ou contra os credores pelas restrições nos bancos, nesta mesa não há dúvidas que as opiniões se vão dividir. “A troika, a Alemanha”, dizem Elena e Eliana, atropelando-se. “Tsipras e Varoufakis”, diz o incógnito amigo, apontando o dedo ao primeiro-ministro e ao ministro das Finanças.
A interrupção na conversa não permitiu, afinal, mudar muito o assunto. “Podemos sempre falar do tempo”, brinca Elena. Nem de propósito, como uma deixa numa peça de teatro, começa a chover. “Quando é que tivemos tempo assim no final de Junho? Se calhar também é culpa do Tsipras”, diz Eliana rir. Afinal, não há mesmo como escapar à conversa política.
Ser solidária
Esta semana, Despina também não pensou em fazer nada político. O que fará, sim, é “tentar ser mais solidária.” Como, não planeou exactamente. “Coisas gerais. Tentar cozinhar a mais e dar, ou convidar pessoas que possam estar em dificuldades. Tentar ver se há quem precise para pequenas coisas, algum medicamento. Tinha pensado que podia oferecer bilhetes de transportes, mas isso já não é preciso” – o Governo decidiu que até à próxima semana os transportes são de graça, e já foi anunciado que para os desempregados continuará a ser gratuito mesmo depois do referendo.
Despina, tradutora de 43 anos, está a fazer algumas compras no supermercado. Tem estes planos não é porque tenha muito dinheiro – na véspera tirou 400 euros do multibanco – “tudo o que tinha na conta.”
Assim como não planeou o que vai fazer exactamente esta semana, Despina também não planeou o que vai fazer no domingo. “É um dilema”, remata. Parte dela quer votar "sim", outra parte "não". O que a chateia mesmo “é a chantagem”. Para ela, não há dúvidas de quem é a culpa desta situação estar assim: “Da Alemanha. Eles não percebem o nosso modo de funcionar, vêem-nos como preguiçosos, e acham que precisamos de ser castigados.”
E George, “o único grego que fez um depósito”, o que vai votar? “Não”. E o que quer dizer um “não” para ele? George não tem dúvidas. “Volte-se ao dracma”. Não acha que seja uma tragédia: “Isto não resultou”.
Mais: “Há muitos países que vão acabar em maus lençóis. Não só os pequenos”, avisa.
Mas George acha que no fim vai ganhar o “sim”. “Quão democrático é este processo? Não sei se vamos votar e é o fim desta história”, diz. “Não sei se o guião não está já escrito, e este guião diz que ganha o sim e temos novas eleições.”
O “sim” do bispo
Noutra loja, de bijuteria, Laura e Spiros não entram em especulações políticas. Mas dizem que da sua parte não tiraram dinheiro no banco. “Sim, tenho algum dinheiro poupado. E sim, está no banco. Tirar para quê? Está mais seguro lá. Se o tiver em casa pode entrar um ladrão e roubar. Prefiro que esteja no banco”, diz a despachada Laura. “O pânico não ajuda”, continua, criticando quem levanta o dinheiro: “Essas pessoas não representam o país. Isso não é quem nós somos”, defende. Não queria dizer que esteja completamente calma: “Tenho uma filha de 15 meses, por isso claro que me preocupo um pouco.” Mas não o suficiente para ir votar. “Isto é tudo um jogo político que eu não domino. Nunca votei, não é agora que vou votar.”
Há muitos gregos que se queixam de que demasiadas pessoas tentam interferir no seu voto. E houve mais um episódio. No domingo, o chefe da igreja de Salónica falou sobre o referendo no meio do serviço religioso. “Rezem, votem no que quiserem”, disse o bispo Anthimos. Mas permitiu-se “fazer uma confissão sobre o que vou votar”, e declarou: “sim”. Mal o fez levantaram-se várias vozes dizendo “Não, não!”. O bispo parece confuso por uns momentos, e ordena que se siga o serviço, antes de perguntar para o lado “Quantos são?”