Um Nunes no secreto “gangue dos oito”
Desde o início do ano que um luso-descendente assumiu a presidência de um dos comités mais importantes do Congresso dos EUA.
Na lista dos presidentes da super-potência mundial, o nome Obama passaria a figurar ao lado de nomes tão tradicionalmente anglo-saxónicos como Ford, Lincoln, Johnson, Carter, Reagan ou Bush.
E este ano, um apelido português chegou onde nenhum outro antes havia chegado. Depois de 12 anos nos corredores do poder americano, um luso-descendente foi nomeado para presidir ao Comité de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes. Passou a fazer parte do reduzido grupo de oitos membros do Congresso dos EUA – coloquialmente conhecido em Washington por “gang of eight” - que a administração tem de informar sobre as actividades encobertas das 17 entidades secretas que compõem a maquina das informações. E assim passou a incluir-se o apelido Nunes ao lado de sobrenomes como McConnel, Reid, McCarthy ou Burr.
E este filho de agricultores de descendência açoriana, radicados na Califórnia, aproveitou a sua escalada nos bastidores do poder americano para batalhar com a administração democrata no sensível dossier da Base das Lajes. Desde que a redução do efectivo militar foi anunciada, Nunes esteve sempre na linha da frente para contrariar a decisão com uma sucessão de propostas legislativas que defendiam o congelamento da retirada.
Há um mês subiu a parada. Fez incluir no orçamento dos serviços de informações, uma proposta de suspensão da construção de um complexo no Reino Unido para fundir no mesmo espaço várias agências e organismos dos serviços de informação até ser provado que a Base das Lajes não poderia cumprir essa função.
Não há garantias certas sobre a possibilidade do Centro Conjunto de Análise de Informações vir mesmo a deslocalizar-se para os Açores. Mas entre os que seguem de perto a negociação bi-lateral não há dúvidas sobre o seu empenho e influência. Na declaração conjunta que se seguiu à reunião entre responsáveis dos dois países, surgia uma referência velada à proposta de Nunes. “Em larga medida, o facto de estarmos onde estamos deve-se a ele”, resumiu ao PÚBLICO Vasco Rato, presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
“É um indivíduo com muito peso nestas decisões”, acrescenta o deputado social-democrata pelos Açores, David Ponte. Vasco Rato confirma-o. “Tem poder”, resume antes de elencar o trio de que Nunes faz parte. “Nos tempos que correm, é o [David] Simas, conselheiro de Obama [líder do Gabinete de Estratégia Política da Casa Branca, na área da comunicação e estratégia] e o [Ernest] Moniz [secretário para a Energia na administração Obama]”. Mas destaca o mérito que separa o congressista dos outros dois luso-descendentes: “É o único que foi eleito para as funções que desempenha.”
A ascensão do californiano é explicada por Vasco Rato através da “excelente relação com a liderança Boehner”, o speaker da Câmara dos Representantes que em termos portugueses equivale à figura de presidente da Assembleia da República. Um assessor português, habituado a lidar com a política americana, explicou a proximidade. Enquanto líder da Câmara dos Representantes, “Boehner teve sempre que fazer a gestão das diferentes correntes que existem no Partido Republicano. Devin Nunes ajudou ao longo dos últimos anos a controlar essas correntes”. Exemplo disso foi a forma como, em Outubro de 2013, se virou contra a facção republicana que apostava na paralisação da administração Obama através da não aprovação do Orçamento. Na altura, o luso–descendente soltou a sua “língua afiada” – habitualmente utilizada para criticar ambientalistas e a esquerda americana – para acusar membros do seu partido de se comportarem como “lemingues vestidos de coletes suicidas” devido às suas tácticas políticas.
Mas as afinidades de Nunes não se esgotam com o speaker. Ao longo dos seus 12 anos de Congresso, o luso-descendente patrocinou um conjunto de iniciativas com outro republicano em ascensão. Foi o professor e especialista em relações internacionais que esteve na direcção da FLAD, Miguel Monjardino, quem alertou para a relação com Paul Ryan. Em 2010, junto com o congressista do Wisconsin – que nas últimas presidenciais foi o candidato republicano a vice-presidente do derrotado Mitt Romney – apresentou uma proposta de reforma dos sistemas de Saúde americano, Segurança Social e Tributário. O então presidente Obama haveria de reagir à proposta classificando o “Roteiro para o Futuro da América” como um plano “legítimo” para tentar resolver o problema fiscal norte-americano.
É por isso que tem fama de “moderado”. Joaquim Ponte, deputado social-democrata pelos Açores que o conhece “há oito ou dez anos”, coloca-o a meio caminho entre os elementos “do Tea Party e os mais progressistas”. Vasco Rato traduz o seu posicionamento político. Ao nível fiscal e económico é um defensor “da baixa de impostos e défice controlado”. Do ponto de vista da política externa, “é mais um falcão que outra coisa qualquer”, com um apoio determinado a um orçamento da defesa robusto e críticas à “indecisão” de Obama no Médio Oriente.
David Ponte classifica-o como um “rapaz com sangue na guelra”. A sua postura “muito afirmativa” já foi utilizada contra o lobby ambientalista, e a esquerda liberal em geral. Já catalogou os defensores do ambiente como “seguidores dos ideais neo-marxistas, socialistas, maoístas e comunistas”. Também não mediu as palavras num debate sobre tortura de prisioneiros na guerra contra o terrorismo. “As pessoas que denunciam as técnicas de interrogatório mais duras, são as mesmas que aceitam que se vaporizem pessoas [através de drones]. Na verdade, são uma espécie de bananas, porque não estão dispostas a fazer o trabalho duro de capturar e interrogar suspeitos para conseguir informação necessária”.